Após anos sem conseguir juntar multidões em atos públicos, a esquerda e apoiadores do presidente Lula (PT) lotaram as ruas do país neste domingo (21), em atos que sinalizam para uma possível virada em seu histórico de mobilização popular. Em várias capitais e outras cidades, os participantes repudiaram o projeto de anistia a condenados por tentativa de golpe de Estado e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que condiciona a abertura de processos judiciais contra parlamentares à aprovação do Congresso Nacional.
“Sem anistia” e “abaixo a PEC da Bandidagem” foram as palavras de ordem que dominaram as manifestações.
O projeto da anistia, que teve o regime de urgência aprovado na Câmara e está previsto para ser votado nesta semana, tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como principal beneficiário e divide o Legislativo, além de ainda não ter o texto conhecido pelos deputados. Já a “PEC da Bandidagem”, foi aprovada na Câmara mas enfrenta dificuldades para avançar no Senado, onde o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), disse que ela será “enterrada de vez”.
Na Zona Sul do Rio de Janeiro, em Copacabana, um dos principais palcos de manifestações pró-anistia, uma multidão ocupou a Avenida Atlântica, embalada pela música de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. Cinquenta e sete anos após a histórica Passeata dos 100 mil, realizada na cidade para pedir o fim da ditadura militar, os três ícones da cultura brasileira se reuniram novamente em um ato para defender a democracia. Estavam acompanhados de outros nomes consagrados, como Paulinho da Viola, Djavan e Ivan Lins.
Caetano disse: "A música popular do Brasil tem sido sempre um aspecto da cultura nacional, que apresenta enorme vitalidade. Então, não poderíamos deixar de responder aos horrores que vêm se insinuando à nossa volta".
“Nós não temos cara de babaca", disse Ivan Lins, em alusão a um sucesso de Gonzaguinha. "Temos que fazer valer isso até outubro do ano que vem. Sem anistia!”, prosseguiu.
Lenine subiu no trio em seguida e classificou a PEC da anistia como “maior cara de pau da história”. Em seguida, cantou "Ideologia", um dos maiores sucessos do compositor carioca Cazuza.
Em Brasília, os manifestantes se concentraram no Museu da República. Depois marcharam em grande número até as proximidades do Congresso Nacional, onde assistiram aos shows de Chico César, Djonga e outros artistas.
Em Belo Horizonte, os organizadores falaram em 50 mil presentes na Praça Raul Soares.
As ruas de Salvador, capital baiana, também estavam lotadas. Com um trio elétrico comandado pela cantora Daniela Mercury, os manifestantes fizeram uma grande mobilização em frente ao Morro do Cristo, na Barra, com a participação do premiado ator Wagner Moura e outros expoentes da cultura nacional.
Na avenida Paulista, em São Paulo, 42.379 mil marcaram presença, segundo levantamento do Monitor do Debate Político, da USP, com medição realizada às 16h. Um pouco antes, às 15h30, o público concentrado em frente ao prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp) chegou a 40 mil. Diferentemente da última manifestação bolsonarista, que exibiu bandeiras dos Estados Unidos e agradecimentos ao presidente Donald Trump pelas sanções impostas ao Brasil, militantes empunharam uma bandeira nacional gigante.
Além da rejeição à anistia e à blindagem de parlamentares, outras pautas foram ecoadas pela multidão, como a soberania nacional, o fim da escala 6x1, a taxação dos super-ricos, a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e a necessidade de renovação do Congresso Nacional, repetidamente chamado de "inimigo do povo".