Embora o campo oposicionista tenha apostado todas as suas fichas na aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 2162/2023, que trata da concessão de anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 — quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília —, o texto em construção pelo relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), não visa conceder o perdão integral inicialmente proposto.
Nas redes sociais, Paulinho deixou claro que seu foco não é anistiar os condenados, mas sim promover a redução das penas. Para refletir essa nova abordagem, ele passou a se referir ao projeto como o “PL da Dosimetria”. O objetivo, segundo ele, é alcançar a pacificação política no país. Na última semana, o relator se reuniu com o advogado e ex-presidente Michel Temer (MDB) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG). Durante a conversa, ambos afirmaram que o texto está sendo elaborado em acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com o Executivo, em um “pacto republicano”. Também destacaram que a “anistia para tentativas de abolir o Estado Democrático de Direito” já foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte e que não há interesse em colocar o Congresso em confronto com o Judiciário.
“O Brasil não aguenta mais essa polarização de extrema-direita com a extrema-esquerda, o Brasil precisa pensar no futuro, precisa votar projetos importantes”, declarou o relator que indicou que a votação deve ocorrer ao longo desta semana.
Anistia
A urgência para a tramitação do PL foi aprovada na última quarta-feira (17) — por 311 votos a favor e 163 contra — acelerando o processo legislativo e permitindo que a proposta seja votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões da Casa. Embora o texto já tenha sido adiantado, a versão final ainda está em discussão. A urgência foi aprovada com base em uma proposta do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que já estava pronta, mas não será a versão definitiva.
A proposta de Crivella prevê o perdão a “todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor da Lei”. Ou seja, a medida visaria perdoar também os condenados pelo STF por articularem uma tentativa de golpe de Estado, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais sete integrantes do chamado “Núcleo Crucial” da denúncia. Bolsonaro encontra-se em prisão domiciliar preventiva enquanto aguarda o período de recursos do processo, que o sentenciou a 27 anos e três meses de prisão.
Reações
As antecipações sobre o parecer têm causado desconforto tanto entre os membros da oposição quanto entre os da ala governista. Na última sexta-feira (19), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) deu um conselho em tom ameaçador. “Um conselho de amigo, muito cuidado para você não acabar sendo visto como um colaborador do regime de exceção. Alguém que foi posto pelo ministro Alexandre de Moraes para enterrar a anistia ampla, geral e irrestrita. Pois, assim como está expresso na lei, TODO colaborador de um sancionado por violações de direitos humanos é passível das mesmas sanções”, afirmou.
A fala ocorre em um contexto no qual Eduardo, que se licenciou do mandato em março e passou a viver nos Estados Unidos, tem atuado diretamente em favor de penalidades contra autoridades brasileiras, com o argumento de denunciar violações de direitos humanos. Desde sua mudança, o presidente dos EUA, Donald Trump (Republicano), anunciou uma tarifa de 50% sobre diversos produtos brasileiros, além de aplicar a Lei Magnitsky — criada para punir violações graves de direitos humanos e casos de corrupção — contra Moraes, alegando que o magistrado promoveu “prisões arbitrárias” e a “supressão da liberdade de expressão”.
“A anistia ampla, geral e irrestrita não está sob negociação. Vocês não irão brincar com a vida de pessoas inocentes, que são vítimas dos psicopatas que as prenderam ou tentam prendê-las injustamente. Não há qualquer possibilidade de aceitarmos a mera dosimetria das penas em processos completamente nulos e ilegais, advindos de inquéritos abusivos e absolutamente inconstitucionais”, completou.
Já o líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (RJ), se manifestou contra a redução das penas para os crimes de 8 de janeiro. “Somos contra a redução das penas para os crimes de 8 de janeiro. Não cabe negociação entre os Poderes, pois o julgamento ainda está em andamento, sem trânsito em julgado, com recursos possíveis para debater a dosimetria. A democracia é o bem jurídico protegido e não pode ser objeto de barganha. Quem tem competência para modular penas é o STF, não o Congresso”, afirmou.
“Hoje, a pena para golpe de Estado já é de quatro a oito anos, portanto inferior à do roubo simples (quatro a dez anos). Com a redução aprovada, cairia para apenas dois a seis anos, praticamente a metade. Essa desproporcionalidade inconstitucional revela a seletividade e a desigualdade do direito penal: pune com rigor os pobres por crimes patrimoniais e trata com brandura os poderosos que atentam contra a democracia”, declarou Farias.
‘Pegou mal’
Em entrevista ao Correio da Manhã, o cientista político Isaac Jordão explicou que o projeto de anistia tem sido visto como uma tentativa de amenizar as tensões políticas, podendo servir como moeda de negociação entre a base e a oposição. No entanto, ele destacou que a urgência na tramitação, tal como foi aprovada — e logo após a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 03/2021), que restringe investigações contra parlamentares, conhecida como PEC da Blindagem — pegou mal no Senado Federal.
“Os senadores vão para a eleição do ano que vem, dois terços deles, e estão ponderando se vale a pena arriscar esses votos por causa de um projeto votado de afogadilho na Câmara”, afirmou o especialista, mencionando ainda a resistência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), à ideia de uma anistia integral. Alcolumbre, junto com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem buscado uma alternativa mais viável. “A própria escolha de Paulinho da Força, que é ligado a Alexandre de Moraes, dá a entender que uma eventual aprovação da anistia será costurada no sentido de livrar os pequenos e manter os grandes condenados”, avaliou Jordão.
Para ele, a oposição não cederá, mas não conseguirá alcançar seus objetivos da maneira que desejam. “Esse projeto precisa ser muito bem construído, com todo cuidado, para não desmoralizar o Supremo, para não desfazer o serviço que já foi feito e, principalmente, para não mandar um recado errado para os mandantes do 8 de janeiro”, concluiu o cientista político.