Em meio à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete integrantes do chamado “Núcleo Crucial” da tentativa de golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o campo oposicionista segue tentando emplacar o Projeto de Lei que oferece anistia ampla, geral e irrestrita — ou seja, perdão integral — aos condenados pela trama golpista e aos participantes dos ataques do dia 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
Nesta segunda-feira (15), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) era esperado por lideranças políticas em Brasília. O encontro serviria para articular apoio ao tema, no entanto, a viagem foi cancelada. A decisão, anunciada pelo Palácio dos Bandeirantes no fim da manhã, ocorreu sem justificativas oficiais — mas em meio a pressões políticas crescentes e repercussões negativas.
A desistência também coincidiu com a divulgação de uma pesquisa Datafolha no último sábado (13), que indica resistência da maioria da população à proposta: 54% dos brasileiros se posicionaram contra a medida, enquanto 39% se disseram favoráveis. O recuo também pode ser interpretado como tentativa de conter o desgaste provocado por recentes declarações do governador, que atacou o relator do processo da tentativa de golpe, ministro do STF Alexandre de Moraes, durante evento no 7 de Setembro, chamando-o de “tirano”.
Articulação
Nos bastidores, a visita à capital incluía encontros com líderes do Centrão, como o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), este último já tendo sinalizado resistências à proposta de anistia ampla.
Diante deste cenário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu Motta, nesta segunda-feira, para um almoço no Palácio da Alvorada para reforçar a posição contrária do governo federal em relação à votação deste tema. Ao Correio da Manhã, interlocutores do chefe da Casa Baixa informaram que também entraram na pauta da reunião o PL que isenta o Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil mensais, a Medida Provisória (MP) que amplia a tarifa social de energia elétrica, aos decretos estudados sobre a classificação de minerais como críticos e a sanção do PL Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Digital, que dispõe sobre a proteção de crianças e de adolescentes na internet.
Mesmo com a ausência do governador de SP, a oposição segue mobilizada. Também ao longo da tarde, Moraes autorizou a visita do presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, e do relator do PL da anistia, Rodrigo Valadares (União-SE), à Bolsonaro — que está em prisão domiciliar preventiva enquanto aguarda o período de recursos do processo, que o sentenciou a 27 anos e três meses de prisão. No sábado, durante o quarto dia do “Rocas Festival – Pista Central", Valdemar afirmou que precisará da ajuda do presidente do PSD, Gilberto Kassab — também secretário do governo de São Paulo — para a aprovação da pauta no Congresso Nacional.
“Na luta que nós vamos ter, que a nossa luta para recorrer, esquece Supremo, isso já acabou. Agora temos que resolver Senado e Câmara, de aprovar a anistia, e isso, nós precisamos muito do apoio do Kassab”, declarou o presidente do PL.
Avança?
Para o cientista político Elias Tavares, a possibilidade de a anistia avançar na Câmara depende menos da pressão da oposição e mais da estratégia de Motta. “Ele tem sido colocado contra a parede, mas pautar a anistia neste momento significaria tensionar ainda mais a relação com o Supremo”, explicou. Na avaliação de Tavares, a entrada de Tarcísio de Freitas nesse tabuleiro é um gesto político claro: “ele sinaliza ao bolsonarismo que está disposto a vestir a camisa, mas ao mesmo tempo corre o risco de associar sua imagem a uma pauta de alto desgaste”.
Caso o projeto seja pautado e aprovado na Casa Baixa, ainda restará a análise do Senado. Alcolumbre e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) já costuram uma alternativa mais viável: não uma anistia ampla, geral e irrestrita, mas um projeto que reduza as penas, tentando equilibrar a pressão política com a preservação da autoridade institucional do Judiciário. “Na minha avaliação, as chances desse texto alternativo são maiores, justamente por dialogar com o discurso da moderação e evitar o enfrentamento direto com o STF”, afirmou Tavares à reportagem.