O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (9) pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete ex-integrantes de seu governo por tentativa de golpe de Estado. O julgamento, em curso na Primeira Turma da Corte, analisa a responsabilidade do chamado “Núcleo Crucial” da trama golpista que tentou impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após o resultado das eleições de 2022.
Moraes, relator da Ação Penal 2668, foi o primeiro a votar no julgamento, que deve se estender até sexta-feira (12). Ele foi seguido por Flávio Dino, que corroborou seu entendimento com ressalvas. Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente do colegiado, ainda apresentarão seus votos. A condenação se confirmará com o apoio da maioria simples dos magistrados.
Organização criminosa
Durante quase cinco horas de apresentação, acompanhada de mais de 60 slides, o ministro traçou um panorama detalhado de como o grupo teria agido, segundo ele, de forma coordenada e hierarquizada, com o objetivo de impedir a alternância democrática de poder no Brasil.
Na visão do relator, o ex-chefe do Executivo liderava uma organização criminosa armada, com auxílio de membros do alto escalão do governo e das Forças Armadas, e utilizou estruturas do Estado brasileiro para sustentar um projeto autoritário de manutenção de poder. “Jair Messias Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança do alto escalão do governo que integravam o núcleo central da organização criminosa”, entendeu o juiz.
Blocos
Moraes construiu seu voto em 13 blocos temáticos que demonstrariam o avanço progressivo de um plano golpista a partir de 2021. Ele destacou como atos-chave: as lives realizadas pelo ex-presidente com ataques às urnas eletrônicas, classificadas pelo ministro como “atos executórios”, e disseminadas por milícias digitais. Mencionou também a reunião ministerial de julho de 2022, descoberta em um computador de Cid, tida por Moraes como confissão dos envolvidos.
Além disso, o ministro classificou o encontro com embaixadores como um “ato de entreguismo histórico”. Na ocasião, Bolsonaro teria atacado a Justiça Eleitoral diante de diplomatas internacionais. Em relação às operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno de 2022, que teriam como objetivo dificultar a mobilização de eleitores no Nordeste, o magistrado associou essas ações a um plano de desestabilização institucional.
No que diz respeito ao plano “Punhal Verde e Amarelo”, impresso no Palácio do Planalto e levado ao Alvorada por um general, que previa inclusive o assassinato de autoridades e a neutralização da cúpula do Judiciário. “Não se faz barquinho de papel com esse tipo de documento”, ironizou o ministro. O relator destacou ainda que Bolsonaro se manifestou publicamente contra uma eventual derrota eleitoral, reforçando sua disposição de não aceitar o resultado das urnas. Em uma live de 2021, o ex-presidente afirmou que “só sairia morto, preso ou com a vitória”. Segundo Moraes, não se tratavam de bravatas, mas de declarações alinhadas a um plano em curso.
Ramagem
Um dos momentos mais incisivos da apresentação foi a leitura de mensagens trocadas entre Bolsonaro e Alexandre Ramagem, então diretor da Abin e hoje deputado federal (PL-RJ). Em uma dessas mensagens, Ramagem afirma que “a urna já se encontra em total descrédito perante a população” e sugere que essa narrativa deveria ser “massificada”. Para Moraes, o conteúdo das mensagens evidencia não apenas a tentativa de corroer a confiança no processo democrático, mas também a existência de um plano executado com coordenação e intencionalidade.
“Isso não é uma conversa entre delinquentes do PCC [a organização criminosa Primeiro Comando da Capital]. Isso é um diretor da Abin falando com o presidente da República”, disse o magistrado, ao ler em plenário os trechos que, segundo ele, demonstram o uso da inteligência estatal como ferramenta de ataque à ordem constitucional.
Para o ministro, os ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes foram o ápice de uma escalada de ações golpistas iniciada ainda em 2021. Ele relacionou os acampamentos em frente aos quartéis-generais, a disseminação de fake news e os atos violentos durante a diplomação do presidente Lula como parte de um mesmo plano. “O Brasil demorou para atingir sua democracia. Tivemos 20 anos de ditadura, de tortura, de desrespeito aos Poderes Judiciário e Legislativo. As pessoas desapareciam, as pessoas eram mortas. Não é possível banalizar esse retorno a esses momentos obscuros da história”, ressaltou.
Atentado
Durante a leitura do parecer, uma fumaça escura invadiu o céu da Esplanada dos Ministérios devido a um incêndio que atingiu mais de 20 banheiros químicos nas proximidades do Teatro Nacional. Segundo informações da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o fogo foi contido rapidamente pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) e o suspeito do crime — uma pessoa em situação de rua de 22 anos — foi detido e levado para depor na 5ª Delegacia de Polícia, na Asa Norte. Ainda não há informações sobre os principais elementos motivadores da ação.
“É importante destacar que no momento da abordagem, o suspeito carregava uma mochila e além de itens pessoais, havia uma lâmina e também um spray com gás butano inflamável”, declarou a subcomandante do 6º Batalhão da Polícia Militar, Major Talita, em coletiva.
Parlamentares
Alguns representantes do Parlamento marcaram presença no STF ao longo do dia, entre eles, o líder do Partido dos Trabalhadores da Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (RJ), o líder da Oposição, Luciano Zucco (PL-RS), e os deputados Rogério Correia (PT-MG), Ivan Valente (Psol-SP) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). À imprensa, Lindbergh classificou o voto apresentado por Moraes como “muito consistente e histórico”.
Já para Zucco, o relator transpareceu prazer e raiva durante a apresentação do parecer, criticando o curto prazo dado às defesas para analisar a totalidade dos arquivos do processo. Ele disse ter esperança de que o ministro Fux compreenda o ponto de vista dos advogados e peça mais tempo para análise. Ao finalizar sua fala, Zucco defendeu a pauta da anistia ampla e irrestrita aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro.
Réus
Além de Bolsonaro, são réus no processo o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos; ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto; e ex-ajudante de ordens da Presidência, colaborador premiado, Mauro Cid.
Eles são acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte da ação está suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.