Por: Karoline Cavalcante

Lula lidera cúpula do Brics e reforça desafios ao protecionismo global

A cúpula foi convocada por Lula, que exerce a liderança rotativa do grupo | Foto: Ricardo Stuckert/PR

O grupo de países emergentes Brics — formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e recentemente expandido com a adesão de novos membros — se reuniu virtualmente nesta segunda-feira (8) para discutir estratégias de fortalecimento do comércio e da integração financeira entre seus países. A cúpula foi convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que exerce a liderança rotativa do bloco. Em seu discurso, o chefe do Palácio do Planalto destacou que o Brics representa uma alternativa sólida ao crescente protecionismo e unilateralismo, como as tarifas elevadas impostas pelos Estados Unidos.

“O comércio e a integração financeira entre nossos países oferecem opção segura para mitigar os efeitos do protecionismo”, afirmou. Ele frisou que o bloco tem a "legitimidade necessária" para liderar uma reformulação do sistema multilateral de
bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento.

Lula também ressaltou a força econômica do Brics, que, juntos, representam 40% do Produto Interno Bruto (PIB) global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial. “Temos entre nós grandes exportadores e consumidores de energia. Reunimos as condições necessárias para promover uma industrialização verde, que gere emprego e renda em nossos países, sobretudo nos setores de alta tecnologia”, pontuou. O presidente mencionou ainda o potencial do grupo para impulsionar uma industrialização verde e a transição energética, destacando o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) na diversificação das economias dos países membros.

Chantagem tarifária

Em entrevista ao Correio da Manhã, o professor Vinícius Vieira, especialista em Relações Internacionais e docente na Fundação Getulio Vargas (FGV) e na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), comentou a declaração de Lula sobre a aplicação de chantagens tarifárias “como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas”.

"A afirmação de Lula sobre a 'chantagem tarifária' é pertinente. Contudo, é crucial considerar que os Estados Unidos invocam as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), que permitem a aplicação de tarifas em casos de ameaças à segurança nacional, uma decisão soberana dos países", explicou Vieira. "Embora não haja ameaça por parte do Brasil, a contestação das medidas tarifárias americanas pode ser feita através do Órgão de Solução de Controvérsias e, posteriormente, do Tribunal de Apelação da OMC, instâncias do comércio internacional”, completou o professor.

O especialista também destacou que o Brasil agiu corretamente ao iniciar consultas na OMC e, possivelmente, instaurar um painel — um processo judicial no Órgão de Solução de Controvérsias. "Contudo, a eficácia desse processo é limitada, dado o desinteresse atual dos Estados Unidos no multilateralismo",ele acrescentou.

Além disso, Vieira sugeriu que o Brasil, para mitigar os efeitos das tarifas impostas pelos EUA, deve buscar novos mercados e celebrar acordos bilaterais, como o Mercosul-União Europeia e o Mercosul-EFTA. "A possibilidade de interferir no sistema judiciário, a fim de revogar decisões, é inaceitável", completou.

Tensões

Além das questões comerciais, a reunião abordou temas como a guerra na Ucrânia e o genocídio na Faixa de Gaza. Lula reafirmou o compromisso do Brasil com a solução pacífica de controvérsias e condenou intervenções externas que, segundo ele, violam o direito internacional. “A solução pacífica de controvérsias dá lugar a condutas belicosas”, lamentou.

Em relação à crise climática, o brasileiro reforçou a importância da COP 30, que ocorrerá em Belém (PA), no Brasil, em novembro de 2025, como um "momento da verdade" para discutir soluções globais de descarbonização. Ele propôs também a criação de um Conselho de Mudança Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), para coordenar esforços globais de forma mais eficaz, e anunciou o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, um projeto que visa remunerar os países tropicais pelos serviços ambientais prestados à humanidade.

A reunião também foi uma preparação para a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que ocorrerá no fim deste mês em Nova York. Lula destacou a necessidade de um "multilateralismo revigorado" e do fortalecimento da soberania digital dos países em desenvolvimento, afirmando que a atual governança global deixa muitos países vulneráveis à manipulação de grandes potências e corporações internacionais.

Durante o encontro, o presidente chinês, Xi Jinping, e outros líderes enfatizaram a importância do Brics na promoção de uma ordem internacional mais justa e equilibrada. Para eles, a cooperação do bloco tem sido fundamental para desafiar o domínio de potências ocidentais e criar novas alternativas econômicas e diplomáticas para o Sul Global.