A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a condenação de sete envolvidos no chamado “núcleo quatro” da Ação Penal nº 2668, que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O grupo, que teria atuado como braço operacional da disseminação de desinformação, é acusado de utilizar órgãos estatais — em especial a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) — para alimentar uma campanha coordenada de ataques ao sistema eleitoral brasileiro e às instituições democráticas.
A manifestação da PGR foi encaminhada na noite da última quarta-feira (3) e ocorre após o encerramento da fase de sustentações orais das defesas dos oito réus do chamado “núcleo crucial”, também incluso no mesmo processo.
Núcleo Quatro
Com base em 193 páginas de documentação, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustenta que os investigados integraram uma estrutura organizada e articulada, que recorreu a práticas clandestinas de monitoramento e espionagem, manipulação de dados e campanhas difamatórias. O objetivo, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), era fomentar a descrença nas urnas eletrônicas e criar um ambiente social e político propício à ruptura institucional — culminando nos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas.
São réus neste núcleo o ex-major do Exército Ailton Moraes Barros; o major da reserva do Exército Ângelo Denicoli; o subtenente do Exército Giancarlo Rodrigues; o tenente-coronel do Exército Guilherme Almeida; o coronel do Exército, Reginaldo Abreu; o agente da Polícia Federal (PF) Marcelo Bormevet; e o presidente do Instituto Voto Legal (IVL), Carlos César Moretzsohn Rocha. Eles são acusados de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Segundo a PGR, os atos foram orquestrados com a intenção deliberada de enfraquecer a confiança pública nas eleições e justificar, sob pretexto de fraude, a interrupção da ordem democrática.
Espionagem
No centro da denúncia está o uso indevido da Abin como aparato paralelo de contrainteligência. De acordo com as investigações, a agência foi instrumentalizada para vigiar adversários políticos e repassar informações, inclusive por meio do programa israelense de espionagem “First Mile”, a agentes ligados diretamente ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Parte desse material teria sido usado para alimentar redes de perfis falsos e cooptados em plataformas digitais, responsáveis pela propagação em massa de conteúdos falsos e antidemocráticos.
Segundo o MPF, Bormevet, policial federal lotado na Abin à época, é apontado como um elo direto com o então diretor do órgão, o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) — atualmente réu no processo referente ao Núcleo Crucial, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele ficava responsável pela coleta de dados sensíveis sobre ministros do STF, como Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. As informações, de acordo com os autos, eram compiladas de forma distorcida para minar a credibilidade do Judiciário e das eleições.
Urnas
Outro ponto central da acusação envolve o IVL — contratado pelo PL para auditar o funcionamento das urnas — o instituto teria fabricado um relatório com viés deliberadamente enviesado, com o intuito de alimentar a tese de que o sistema eleitoral brasileiro era falho. O documento foi posteriormente usado pelo partido para tentar questionar judicialmente os resultados das eleições.
Paulo Gonet destacou ainda que os envolvidos não apenas criaram e disseminaram conteúdos falsos, como também tentaram associar, de forma sistemática, autoridades públicas a ideologias consideradas inimigas por seus apoiadores, rotulando militares que se opunham ao golpe como “traidores da pátria” e “comunistas”. Essa estratégia, segundo ele, visava ampliar o apoio da base bolsonarista a um projeto autoritário e antidemocrático.
Julgamento
As acusações foram encaminhadas no âmbito da Ação Penal 2694, que tramita na Primeira Turma da Suprema Corte. O julgamento do Núcleo Quatro ainda não tem data para conclusão, mas está em estágio avançado. Após a manifestação final da acusação, as defesas terão prazo para apresentar seus argumentos antes do voto dos ministros.
O grupo é o segundo mais avançado entre os quatro processos que investigam a tentativa de subversão do resultado eleitoral. O mais próximo de um desfecho é o Núcleo Um, considerado “central” pela PGR, que inclui Bolsonaro e outros sete ex-integrantes do alto escalão de seu governo. Este julgamento teve início na última terça (2) e quarta-feira (3), com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes e as manifestações orais da acusação e da defesa. O julgamento retornará na próxima terça-feira (9), com os votos dos ministros da Primeira Turma.