Durante o segundo dia de análise da Ação Penal 2668 que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu nesta quarta-feira (3) as sustentações orais das defesas de mais quatro réus do chamado “Núcleo Crucial” da acusação, Entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), representado pelo advogado Celso Vilardi.
O ex-chefe do Executivo não compareceu à sessão, alegando problemas de saúde. Segundo a defesa, Bolsonaro enfrenta crises de esofagite e gastrite, com episódios de vômito e soluços persistentes, o que inviabilizou sua presença. Ele já não havia comparecido na abertura do julgamento, ocorrida na terça-feira (2).
Durante sua sustentação, Vilardi atacou duramente a acusação e alegou que não há provas que vinculem o seu cliente aos atos golpistas. “O presidente foi dragado para esses fatos. Ele não atentou contra o Estado Democrático de Direito. Não há uma única prova que o atrele ao Punhal Verde e Amarelo ou ao 8 de janeiro — quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes —”, afirmou o advogado.
Inconsistências
Grande parte da fala de Vilardi foi direcionada à delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e peça central da acusação. O advogado destacou que o colaborador mudou de versão 16 vezes e questionou sua confiabilidade. “Esse homem não é confiável. O próprio celular dele mostra que ele questionava sua voluntariedade na delação. Como confiar num depoimento com tantas contradições?”, questionou.
Vilardi também criticou o uso parcial de delações premiadas. Para ele, se o acordo é descumprido com omissões e contradições nos depoimentos, a colaboração deve ser anulada. “Está sendo proposto reconhecer uma parcial veracidade da delação. Isso é algo que não existe em nenhum lugar do mundo”, avaliou.
A defesa também afirmou ter sido prejudicada no processo por falta de acesso integral às provas e pelo curto prazo para análise da documentação. “Nós não tivemos tempo suficiente. Não conheço a íntegra desse processo. São milhões de documentos e apenas 15 dias de instrução”, reclamou Vilardi, que ainda relatou que a Polícia Federal confirmou ter cometido um erro relacionado à parte da denúncia contra o general da reserva Mário Fernandes.
Segundo ele, a divisão do processo em núcleos e a proibição de direcionar perguntas aos demais réus compromete o direito à ampla defesa. “Se o interrogatório é meio de defesa e prova, como não podemos nos dirigir aos outros acusados? Eu requeri, agravei, e mesmo assim não nos foi permitido fazer perguntas. Isso é algo inusitado”.
Plano de golpe
Vilardi também contestou a cronologia apresentada na denúncia e as supostas evidências de que Bolsonaro teria participado ativamente de um plano para interromper a ordem democrática. Ele citou ações atribuídas a grupos extremistas como os chamados “kids pretos” — também chamados de "forças especiais" (FE) —, que teriam planejado atos violentos antes do dia 8 de janeiro. “Estamos falando de planos diferentes, momentos distintos. Onde está o plano de Bolsonaro?”
Em relação à chamada “minuta do golpe”, encontrada no celular de Cid, o advogado afirmou que o documento jamais foi transmitido e não constitui prova de ato consumado. “Dizer que o crime de abolição democrática começou em uma live, sem violência, é a subversão do Código Penal. Não se pune ato preparatório”, disse.
Como ponto central da defesa, Vilardi afirmou que Bolsonaro atuou para garantir a transição de governo, inclusive auxiliando o atual ministro da Defesa, José Múcio, indicado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a dialogar com os comandantes militares
O advogado também rejeitou a ideia de que o ex-presidente teria deixado de agir por falta de apoio das Forças Armadas. “A acusação diz que o golpe não foi consumado por falta de aval militar. Mas o estado de sítio é um instrumento constitucional, que depende do Congresso, não das Forças Armadas. Se Bolsonaro quisesse dar um golpe, teria meios institucionais para isso. Mas não o fez.”
Constituição
O também advogado de defesa do ex-presidente, Dr. Paulo Amador Thomaz, comparou a situação de Bolsonaro ao Caso Dreyfus — escândalo judicial francês do século XIX, no qual um oficial judeu foi condenado injustamente por espionagem. “A absolvição de Bolsonaro é imperiosa para que não tenhamos uma nova versão desse caso na história brasileira”, disse.
Thomaz também afirmou que as discussões sobre Estado de Defesa e Estado de Sítio não constituem crimes. “São instrumentos previstos na Constituição. Não se trata de atos unilaterais ou de força, mas de processos legais e colegiados”.
Julgamento
Ainda no período da manhã, acontecem os depoimentos das defesas do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general da reserva Augusto Heleno; e do ex-ministro da Defesa general da reserva Paulo Sérgio Nogueira; e do ex-ministro da Casa Civil general da reserva Walter Braga Netto. Na terça-feira (2), foram realizadas as de Mauro Cid; do deputado federal e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL-RJ); o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos; e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
No total, são cinco crimes imputados aos acusados: tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado — Ramagem responde apenas a três desses crimes, devido à prerrogativa de foro por ser deputado federal. Caso a denúncia seja aceita na íntegra e os réus condenados, as penas podem ultrapassar 40 anos de prisão, dependendo do grau de envolvimento de cada um.