A defesa de Jair Bolsonaro, advogados Celso Vilardi e Paulo Amador Thomaz, apresentou nesta quarta-feira (3) uma sustentação oral no julgamento do processo sobre a tentativa de golpe de Estado entre 2021 e 2023, que é analisado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Eles pediram a absolvição do ex-presidente, afirmando que a decisão é 'imperiosa' para não repetir um caso emblemático ocorrido na França, no século XIX, que puniu injustamente um oficial do Exército.
Nas alegações finais, os defensores negaram a existência do Punhal Verde e Amarelo e afirmaram que Bolsonaro não instigou os atentados de 8 de Janeiro de 2023, nem participou de um planejamento de um golpe contra a ordem democrática.
Vilardi abriu a sustentação oral afirmando que o que aconteceu com a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República é "uma sucessão inacreditável de fatos". Segundo o advogado, o ex-presidente foi "dragado para os fatos" e que não atentou contra o Estado Democratico de Direito.
"Não há uma unica prova que atrele o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, à operação e ao 8 de Janeiro", afirmou Vilardi. O Punhal Verde Amarelo teria sido um planejamento que previa o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
A defesa de Bolsonaro acrescentou que o Ministério Público sequer fez prova a respeito dos fatos incluídos na denuncia proposta sobre o crime do contraditório, e sustentou que houve um cerceamento da defesa do ex-presidente.
Minuta golpista
Vilardi negou a participação do ex-presidente em uma minuta golpista, suposto plano articulado após a derrota nas eleições de 2022 e apresentado em reunião no Palácio da Alvorada em dezembro de 2022. O esquema incluiria reuniões, minuta de decreto de GLO e mobilização de militares para sustentar uma ruptura institucional. O advogado afirmou que a minuta foi encontrada no celular do colaborador Mauro Cid, e não na sede do Partido Liberal, na mesa de Bolsonaro
"A tal minuta é uma peça encontrada no celular do colaborador que, em seus depoimentos, disse que não transmitiu a ninguém", afirmou.
Segundo os advogados, o ex-presidente não pode ser punido por um crime que não foi executado.
"Dizer que a tentativa de golpe começou em uma live subverte a própria lei penal. É a execução da violência que efetivamente configura o delito", afirmou Vilardi.
Paulo Thomaz reiterou que Bolsonaro não teve intenção de ir adiante com o projeto apontado na denúncia.
"À luz do artigo 15 do Código Penal, quem desiste voluntariamente do início da execução do delito responderá apenas pelos atos já praticados. Está efetivamente, pela análise dos fatos posteriores a tal reunião, evidenciado que o ex-presidente, além de não pretender dar golpe de Estado, não teve nenhum intuito em ir adiante com o projeto criminoso apontado na denúncia", afirmou Paulo Thomaz.
"Nos crimes de terrorismo, está lá a previsão. Criminalizaram-se os atos preparatórios aos crimes de terrorismo. Isto não aconteceu nos crimes contra o Estado Democrático de Direito", acrescentou.
Os advogados também afirmaram que a live realizada por Bolsonaro em 2021 não constitui uma grave ameaça ao Estado Democrático de Direito, e que, após a vitória de Lula nas eleições de 2022, Bolsonaro fez uma transição pacífica, tendo afirmado aos seus seguidores, em outra transmissão, que as leis e a Constituição Federal deveriam ser respeitadas após sua derrota nas urnas.
Pedido de absolvição
Vilardi afirmou que a cogitação de pena para além de 30 anos para um fato específico (a reunião em 7 de dezembro de 2022 é) irrazoável.
O advogado Paulo Amador Thomaz encerrou o momento de defesa do ex-presidente pedindo a absolvição de Bolsonaro. Ele afirmou aos magistrados que não se trata de um caso comum, e que será tornado jurisprudência à Justiça brasileira. Por isso, sustentou que o caso exigirá a credibilidade da decisão da Corte, que deverá respeitar as leis e ser baseada em provas contundentes, evidentes, e não apenas em suposições.
Thomaz também mencionou um caso emblemático ocorrido na França, no século XIX, o Caso Dreyfus. O acontecimento foi um dos maiores escândalos políticos e judiciais da França, em que um oficial do Exército francês foi acusado injustamente de espionagem a favor da Alemanha. Ele foi condenado à prisão perpétua e só foi inocentado anos depois, quando se comprovou que as provas haviam sido forjadas e o verdadeiro culpado era outro militar. O defensor de Bolsonaro sustentou que a absolvição do ex-presidente é "imperiosa para não repetir o caso Dreyfus".
Julgamento histórico
O julgamento promete ser um dos mais emblemáticos da história recente do país: é a primeira vez desde a redemocratização que um ex-presidente e generais de quatro estrelas são colocados no banco dos réus por tentar subverter a ordem democrática. A Primeira Turma do STF deu início à análise da Ação Penal 2668 na terça-feira (2), que acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete ex-integrantes do alto escalão de seu governo de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado.
A acusação, conduzida pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustentou que os oito réus integravam o que chamou de “núcleo crucial” de uma organização criminosa com fins golpistas. Segundo a denúncia, o plano teve início ainda em 2021, ganhando tração após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. Gonet descreveu um conjunto de ações coordenadas que visavam subverter a ordem democrática, como ataques sistemáticos ao sistema eleitoral, reuniões para elaboração de minutas golpistas e tentativas de cooptação das Forças Armadas.
Um dos pontos centrais da acusação é o chamado plano "Punhal Verde e Amarelo", que teria sido produzido dentro do Palácio do Planalto e previa ações como sequestro e assassinato de autoridades – entre elas, o próprio Alexandre de Moraes e o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A efetivação do golpe, contudo, não se concretizou, segundo Gonet, devido à recusa dos comandantes das Forças Armadas em aderir à conspiração. Ainda assim, os eventos de 8 de janeiro de 2023 – quando sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas – seriam, para a PGR, a culminância desse plano, executado com o apoio logístico e ideológico dos denunciados.
O julgamento está previsto para ser encerrado na próxima sexta-feira (12), quando os ministros decidirão pela condenação ou absolvição dos réus. A tendência é de que a maioria seja condenada, e que a decisão será a dosimetria das penas, quando os ministros definirão o tamanho da punição e a possibilidade de benefícios como progressão de regime ou substituição da prisão por medidas alternativas.
Crimes e penas
Todos os oito réus do ‘núcleo crucial’ foram denunciados pela PGR pelos seguintes crimes:
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: pena de 4 anos (mínimo) a 8 anos (máximo);
- tentativa de golpe de Estado: pena de 4 anos (mínima) a 12 anos (máxima);
- participação em organização criminosa armada: pena de 3 anos (mínima) a 8 anos (máxima) – pode chegar a 17 anos, com as agravantes de uso de arma de fogo e participação de agentes públicos;
- dano qualificado: pena seis meses (mínima) a 3 anos (máxima); e
- deterioração de patrimônio tombado: um ano (mínima) a 3 anos (máxima).
Impacto geopolítico
O julgamento de Bolsonaro e de seus aliados também gera incertezas econômicas ligadas ao impacto internacional da eventual condenação, dada a proximidade do ex-presidente com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
No Planalto, parte da avaliação é de que o episódio pode abrir espaço para novas pressões externas, como tarifas, e sanções, a exemplo da Lei Magnitsky, aplicada a Moraes. A medida permite aos EUA aplicar sanções financeiras a estrangeiros acusados de corrupção ou violações de direitos humanos.