Em meio a ataques dos EUA, Moraes defende Constituição de 88

No sábado, autoridades da Casa Branca acusaram o ministro de usurpar poderes

Por Karoline Cavalcante

Moraes recebeu colar do Tribunal de Contas de São Paulo

Em meio às ofensivas dos Estados Unidos contra o sistema judicial brasileiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, afirmou nesta segunda-feira (11) que a promulgação da Constituição Federal representou um divisor de águas na história política do país, ao impedir a repetição de práticas autoritárias, como golpes militares ou populismos personalistas. A declaração foi feita durante a palestra de abertura da 23a Semana Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

Segundo o magistrado, a Carta Magna foi um marco fundamental para blindar o regime democrático contra interferências indevidas. “Se, como vimos, as instituições garantiram a democracia desde 1988, é verdade também que a própria democracia vem sendo atacada de forma jamais vista desde a redemocratização do mundo, que é a redemocratização pós-guerra”, iniciou. “E se é verdade que vem sendo atacada por um novo populismo extremista, nós não podemos fingir que não há bases que permitam esse discurso antidemocrático florescer”, prosseguiu.

Moraes ressaltou que, historicamente, o Legislativo na América Latina enfrentou dificuldades para conter os abusos do Executivo. Nesse contexto, destacou que os constituintes decidiram fortalecer o Judiciário, garantindo-lhe autonomia financeira, administrativa e funcional — além de assegurar liberdade plena aos magistrados para julgar conforme a legislação vigente.

Ofensivas

As declarações de Moraes ocorrem em meio a críticas crescentes por parte do governo do presidente dos EUA, Donald Trump (Republicano), que recentemente impôs sanções contra o ministro, com base na Lei Magnitsky — legislação criada para punir violações graves de direitos humanos e casos relevantes de corrupção. A medida retaliatória alega que o magistrado promoveu “prisões arbitrárias” e a “supressão da liberdade de expressão”, além de direcionar suas decisões contra figuras da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atualmente réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022. O documento também menciona a imposição de restrições a plataformas de mídia social sediadas nos Estados Unidos.

Nesse cenário, Moraes decretou recentemente a prisão domiciliar de Bolsonaro, após o ex-presidente, ainda que indiretamente, ter se manifestado publicamente no último domingo (3), descumprindo medidas cautelares que o impedem de se comunicar, inclusive por meio de terceiros. Para o ministro, o episódio configurou violação direta das restrições judiciais, além de caracterizar tentativa de obstrução da Justiça e intimidação ao Poder Judiciário.

Em reação, representantes da Casa Branca voltaram a criticar a atuação do magistrado. No último sábado (9), o vice-secretário do Departamento de Estado dos EUA, Christopher Landau, responsabilizou Moraes pelo enfraquecimento das relações bilaterais e afirmou que ele teria usurpado poderes ditatoriais ao ameaçar líderes de outros poderes — ou seus familiares — com prisões e outras sanções.

“Essa pessoa destruiu o relacionamento historicamente próximo do Brasil com os EUA, entre outras coisas, ao tentar aplicar a lei brasileira extraterritorialmente para silenciar indivíduos e empresas em solo americano. E a situação é inédita e anômala precisamente porque essa pessoa veste uma toga judicial”, diz o trecho. “Assim, nos encontramos em um beco sem saída, onde o usurpador se encobre no Estado de Direito e os outros poderes insistem em se considerar impotentes para agir”, prossegue Landau, em publicação feita sob pedido de Trump.

Mérito da Justiça

Durante a cerimônia, Moraes foi agraciado com o Colar do Mérito da Justiça de Contas, honraria concedida a personalidades de destaque na área jurídica e no controle da administração pública. A esposa do ministro, Viviane Barci, esteve presente na solenidade.

A ausência do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), entretanto, chamou atenção. Enquanto o evento era realizado, ele participava de outra cerimônia pública a apenas um quilômetro do local. A Procuradoria-Geral do Estado representou o governo paulista. Do lado de fora do prédio do TCE, um pequeno grupo protestou contra Moraes, com bandeiras do Brasil e esparadrapos na boca.