Brasil dá respostas firmes diante das intimidações dos EUA
Na abertura do ano judiciário, Moraes classificou como "milicianos" os que defendem sanções internacionais contra autoridades brasileiras
Em meio a atritos diplomáticos e ameaças de sanções por parte do governo dos Estados Unidos, liderado por Donald Trump (Republicano), o Brasil tem mantido uma postura firme. O governo norte-americano sinalizou a possibilidade de aplicar tarifas extras contra o país e até mesmo recorreu à Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Como reação, a Suprema Corte Brasileira se posicionou em defesa da democracia e da soberania nacional.
Em contrapartida às reações no Brasil, Trump, nos EUA, adotou um tom mais ameno. O republicano afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode contatá-lo a qualquer momento para discutir conflitos entre os países. Em resposta, Lula reiterou que o Brasil sempre esteve aberto ao diálogo e destacou que quem define os rumos do país são os brasileiros e suas instituições. "Neste momento, estamos trabalhando para proteger a nossa economia, as empresas e nossos trabalhadores, e dar as respostas às medidas tarifárias do governo norte-americano", escreveu o petista em suas redes sociais na noite da última sexta-feira (1º).
Rupturas institucionais
Na abertura do ano judiciário, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, fez uma reflexão sobre momentos históricos em que o Brasil enfrentou golpes e tentativas de rupturas institucionais, frisando a importância da Constituição de 1988, para garantir que não haja retrocessos. O ministro mencionou ainda que foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições diante de episódios que acontecem desde 2019, como ataques à democracia e ao sistema eleitoral, além da invasão e depredação dos três Poderes da República em 8 de janeiro de 2023.
Em sua fala, Barroso saiu em defesa da condução dos processos por parte de Moraes, ressaltando que “nem todos compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e rigorosa, mas sempre dentro do devido processo legal”.
Tentativas de intimidação
Em seguida, o ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, ressaltou, de forma firme, que o STF não se curva a intimidações e reafirmou o compromisso da instituição com a legalidade, a transparência e o devido processo legal. Mendes destacou que críticas ao Tribunal são legítimas quando construtivas, mas advertiu sobre a diferença entre questionamentos fundamentados e ataques levianos. Segundo ele, todas as decisões do STF seguem ritos claros, com ampla defesa e fundamentação técnica, sem espaço para arbitrariedades ou decisões motivadas por pressões políticas ou ideológicas.
Por fim, classificou as ameaças contra Moraes como “agressões injustas” e “reiteradas tentativas de intimidação". “Vossa Excelência tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, demonstrando prudência e assertividade na condução dos procedimentos instaurados para a defesa da democracia”, defendeu.
“Milicianos”
Ao discursar, Moraes fez referência, ainda que sem citar nomes, à atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos. Ele traçou um paralelo entre as articulações internacionais promovidas pelo parlamentar e os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. O ministro criticou as tentativas de pressionar o governo norte-americano para interferir no Judiciário brasileiro e favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pai do deputado — que é réu no STF por supostamente articular uma tentativa de golpe de Estado, após perder as eleições em 2022.
“O modus operandi é o mesmo. Incentivo a taxações ao Brasil, incentivo a crise
econômica que gera crise social, que, por sua vez, gera crise política, para que, novamente haja uma instabilidade social e a possibilidade de um novo ataque. Ataque golpista. E essa geração de pressão política e social contra os Poderes Judiciário e Legislativo tem claramente a finalidade ilícita de favorecer interesses pessoais”, declarou.
Em outro momento, o ministro classificou como "milicianos" os integrantes da organização que defende sanções internacionais contra autoridades brasileiras, acusando o grupo de tentar intimidar os Poderes da República. “Acham que estão lidando com pessoas da laia deles. Acham que estão lidando também com milicianos, mas não estão. Estão lidando com ministros da Suprema Corte brasileira. Engana-se essa organização criminosa ao esperar que a permanência e continuidade dessa torpe coação possa, de alguma forma, gerar uma covarde rendição dos poderes constituídos brasileiros”, iniciou.
“Engana-se essa organização criminosa miliciana e aqueles brasileiros escondidos e foragidos do território nacional. Engana-se em esperar fraqueza institucional ou debilidade democrática. As instituições brasileiras são fortes e sólidas”, pontuou Moraes. Outros a se pronunciarem foram o procurador-geral da República, Paulo Gonet; e o advogado-geral da União, Jorge Messias.
Ações penais
Para Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, Mestre em Direito Constitucional e Procurador de Prerrogativas da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas do Distrito Federal (Abracrim-DF), a ação do STF buscou defender sua independência frente às ações externas, “assegurando a continuidade dos processos penais em curso”.
O advogado Rodolfo Tamanaha, professor de Direito Público da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) comentou sobre a gravidade da aplicação da Lei Magnitsky. Segundo ele, embora a medida funcione como uma espécie de “orientação geral” para as empresas, são elas que, na prática, decidem pela exclusão de serviços ao magistrado — o que gera um grande constrangimento.
Ainda de acordo com o professor, não há dúvidas de que os novos fatos imputados serão levados em consideração no julgamento de Eduardo Bolsonaro, que já é réu no STF por organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em razão de sua atuação nos Estados Unidos.
“Essa medida não é apenas retórica, ela tem efeitos concretos. Então é aquela situação, sabe? De certa maneira, o que está acontecendo hoje, nessa relação com os EUA e com o Eduardo Bolsonaro, acaba influenciando sim os ministros da Corte, que vão querer, dentro das suas possibilidades, demonstrar força e se manifestar diante do que está acontecendo nos julgamentos. E, nas decisões, com certeza vão querer mandar recados”, avaliou Tamanaha à reportagem.