Lei Magnitsky pode complicar bem a vida de Alexandre de Moraes
Embora legislação não se aplique a instituições brasileiras, elas não devem querer se comprometer no cenário internacional
Os resultados da aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, pelo governo do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), podem ter desdobramentos mais graves do que os aparentes. Sancionada em 2016, a legislação foi criada nos EUA para punir violações graves de direitos humanos e casos de corrupção significativa. A inclusão de um indivíduo nessa lista implica, além da revogação do visto e da proibição de entrada em território norte-americano, a restrição de transações com pessoas físicas e jurídicas sediadas nos país norte-americano.
Isso inclui o bloqueio de acesso a serviços financeiros vinculados a bandeiras como Visa, Mastercard e American Express. O impacto também pode se estender ao ambiente digital, já que grandes empresas de tecnologia — como Google, Apple, Meta, Microsoft e Amazon — estão sujeitas à legislação americana e podem restringir ou suspender o uso de serviços como e-mails, redes sociais, armazenamento em nuvem e licenças de software.
Solo nacional
Apesar do peso internacional da medida, ela não possui efeito automático no Brasil, que tem suas próprias leis e regulações. Mas as empresas podem aplicar as restrições com medo de sanções nos EUA. O Correio da Manhã ouviu especialistas para avaliar os desdobramentos legais do caso. Segundo a advogada Daniela Vlavianos, sócia do Poli Advogados & Associados, as sanções “não produzem efeitos automáticos no território brasileiro”. Ela destaca que, para que restrições externas tenham validade no país, seria necessário um “decreto presidencial ou tratado internacional devidamente internalizado”.
Vlavianos também observa que o Código de Defesa do Consumidor não impede, por si só, a aplicação da Lei Magnitsky em solo nacional, uma vez que trata exclusivamente das relações de consumo. No entanto, ela alerta que se uma empresa brasileira recusar atendimento a um consumidor nacional com base em sanções estrangeiras sem respaldo legal interno, a conduta pode ser considerada abusiva ou discriminatória, sujeita à responsabilização civil. “A Constituição Federal reforça essa limitação, ao estabelecer que restrições de direitos fundamentais somente podem ocorrer com base em lei formal e mediante devido processo legal”, explicou.
A advogada enfatiza ainda que a medida tem natureza administrativa e caráter extraterritorial restrito. “A Lei Magnitsky não equivale a uma condenação penal, mas a uma sanção administrativa com efeitos extraterritoriais restritos. Ela tem potencial de causar constrangimentos diplomáticos e econômicos, mas não impõe diretamente nenhuma restrição dentro do Brasil. Qualquer medida restritiva contra um cidadão brasileiro dentro do território nacional deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal, da legalidade e da ampla defesa. A aplicação automática de medidas unilaterais estrangeiras sem respaldo jurídico nacional configuraria violação da soberania e do ordenamento jurídico brasileiro”, afirmou.
Situação complicada
No entanto, a advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes, explica que mesmo que as empresas brasileiras não possuam a obrigação de atender à lei norte-americana, ficam em uma situação complicada e sujeitas a “sanções secundárias”. Ou seja, caso, por exemplo, o Banco do Brasil — que realiza operações em dólar, como investimentos, liquidações e aplicações financeiras, além de possuir filiais nos Estados Unidos —, não atendam às determinações da Casa Branca podem sofrer sanções nos EUA. Até mesmo a Caixa Econômica Federal, que possui maior independência em relação à dolarização, também mantém relações com a moeda norte-americana.
“Essas sanções poderiam afetar as operações em dólar dos bancos, incluindo o bloqueio de investimentos e relações comerciais nos Estados Unidos. Adicionalmente, empresas americanas com as quais as instituições mantêm relações poderiam ser instruídas a romper esses vínculos, levando ao fechamento de filiais no país — incluindo punições para empresas que alugam imóveis para os bancos, como agências bancárias e caixas eletrônicos. Diante dessas possíveis consequências, as empresas provavelmente vão optar por cumprir a legislação, pois nenhuma instituição financeira desejaria comprometer suas operações em dólar e suas relações com o mercado norte-americano”, explicou Gomes.
Repercussão
Autoridades brasileiras seguem repercutindo o tema. Os chefes das Casas Legislativas saíram em defesa dos interesses nacionais. “Diante das recentes medidas tarifárias adotadas pelos Estados Unidos, o Senado Federal, por meio da Comissão Temporária Externa (CTEUA), tem atuado para reforçar o diálogo e buscar soluções equilibradas que preservem os interesses do Brasil. O caminho da cooperação internacional deve prevalecer, com o objetivo de restabelecer a confiança mútua e manter a histórica parceria entre as duas nações”, declarou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) afirmou que, como país soberano, não se pode apoiar nenhum tipo de sanção por parte de nações estrangeiras dirigida a membros de qualquer poder constituído da República. “Isso vale para todos os parlamentares, membros do executivo e ministros dos Tribunais Superiores”, disse Motta.
Na última quarta-feira (30) — quando as punições internacionais foram anunciadas — durante um jogo de futebol entre Corinthians e Palmeiras, Moraes mostrou o dedo do meio a um torcedor após ser provocado. O ato provocou grande repercussão no cenário político. Para o advogado criminalista Anderson Almeida, o gesto foi “eloquente”.
“Sim, o guardião da Constituição trocou a toga pela camisa alvinegra e a compostura institucional por um gesto digno de torcida organizada. É o tipo de manifestação que talvez não conste nos manuais de direito constitucional, mas que, na prática brasileira, já virou quase jurisprudência do escárnio”, declarou Almeida.
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O anúncio oficial foi feito na última quarta pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac), órgão ligado ao Departamento do Tesouro norte-americano. O documento alega que Alexandre de Moraes promoveu “prisões arbitrárias” e a “supressão da liberdade de expressão”, além de ter direcionado suas decisões contra figuras da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atualmente réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022. O texto cita também a imposição de restrições a plataformas de mídia social sediadas nos EUA.
"Alexandre de Moraes assumiu a si mesmo o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos EUA e do Brasil", afirmou o secretário do Tesouro, Scott Bessent. “O objetivo final das sanções não é punir, mas provocar uma mudança positiva de comportamento”, concluiu.