Tarifaço: Lula considera ligar para Trump
Especialista avalia que governo evita desgaste e busca mutualidade para telefonema acontecer
Com o prazo para a imposição de tarifas extras sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos se aproximando, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta no diálogo diplomático para evitar prejuízos. Ainda sem um desfecho, o Palácio do Planalto já avalia medidas para amparar empresas brasileiras, caso as sanções se concretizem. Em declaração nesta terça-feira (29), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que uma conversa entre Lula e o presidente dos EUA, Donald Trump (Republicano), está sendo considerada, mas exige preparação formal.
“É papel nosso, dos ministros, justamente azeitar os canais para que a conversa, quando ocorrer, seja a mais dignificante e edificante possível. Tem que haver uma preparação antes para que seja uma coisa respeitosa, para que os dois povos se sintam valorizados à mesa de negociação, não haja um sentimento de viralatismo, de subordinação”, disse o chefe da Pasta.
Diálogo
Haddad disse acreditar que, ainda nesta semana, deverá surgir algum sinal de interesse em conversar por parte de autoridades norte-americanas. No entanto, a conclusão das negociações pode não ocorrer até o dia 1º de agosto — data fixada para o início das sobretaxas —, mas, segundo ele, isso não será um problema.
“Não é uma data fatídica. É uma data que pode ser alterada por eles, pode entrar em vigor e nós nos sentarmos e rapidamente concluirmos uma negociação. Estão ficando mais claros, agora, os pontos de vista do Brasil em relação a alguns temas que não eram de fácil compreensão por parte deles. A relação sempre foi amistosa entre os países. Então, não há razão nenhuma para que isso mude”, explicou.
Cenário
O líder da equipe econômica também mencionou o plano de contingenciamento entregue a Lula na segunda-feira (29). O documento inclui formas de suportes para as empresas que serão afetadas pelo eventual tarifaço e foi elaborado pelos Ministérios da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; das Relações Exteriores; e pela Casa Civil.
"Estamos muito confiantes que preparamos um trabalho que vai permitir ao Brasil superar esse momento. O evento externo não foi criado por nós, mas o Brasil vai estar preparado para cuidar das suas empresas, dos seus trabalhadores, e ao mesmo tempo se manter permanentemente na mesa de negociação buscando racionalidade, buscando respeito mútuo", disse.
Ainda nesta terça-feira (29), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), se reuniu novamente com representantes de big techs, como Meta, Google, Amazon e Visa para tratar de segurança jurídica e a possível aplicação das sobretaxas. Na carta enviada ao Brasil — que conteve as ameaças financeiras —, Trump criticou as recentes políticas brasileiras de regulamentação das plataformas digitais.
Alckmin tem coordenado o diálogo com diversas frentes para reverter o cenário e mantêm contato com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, que afirmou que alguns produtos não cultivados no país, como o café — o Brasil é o principal fornecedor do grão para os EUA —, manga, cacau poderiam ter a tarifa zerada. A declaração foi dada em entrevista ao canal norte-americano CNBC.
“Puramente econômica”
Ao Correio da Manhã, a advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes, avaliou que fica cada vez mais claro que a ingerência de Trump é puramente econômica e não política. Ela mencionou o empenho do Brasil em conseguir isenções para alguns setores-chave da economia.
“As principais frentes de negociação e as possibilidades de isenção estão além de produtos naturais, como laranja, café e cacau, e podem refletir em setores estratégicos como na Indústria Aeronáutica, sobre produtos não fabricados nos EUA. O Brasil busca atingir o modelo de acordo que a União Europeia conseguiu com os EUA, que baixou a tarifa imposta para 15%. Isso demonstra que a negociação é possível sim, sem afrontas à Soberania nacional e sem interferências no Poder Judiciário”, declarou a internacionalista.
Para o economista e professor do curso de Administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Jorge Ferreira dos Santos Filho, existem dois cenários no que diz respeito ao possível telefonema entre as duas nações. O primeiro é o esforço do Itamaraty para evitar que a ligação entre Lula e Trump siga nos mesmos moldes do que foi a conversa do republicano com o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, e com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa — que desgastaram a imagem de ambos os presidentes. O segundo, é a correspondência.
“A ideia é evitar esse tipo de situação. Então, o MRE tem insistido muito para que, se houver uma conversa, ela seja feita com a pauta preestabelecida e sem trocas de acusações. E o segundo posicionamento do presidente Lula, é que ele está disposto a ligar para Trump, desde que seja atendido. Portanto, essa é a configuração de um possível diálogo até o momento”, explicou o professor.
Santos Filho lembrou que o Brasil é deficitário em relação ao país norte-americano e que “não há práticas desleais no comércio exterior com os Estados Unidos”.