Brasil vai à OMC contra tarifaço, com adesão de outros países
Sem citar Trump, diplomacia brasileira reafirma compromisso com negociações
Durante reunião do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada na última terça (22) e quarta-feiras (23), em Genebra, na Suíça, o embaixador Philip Fox-Drummond Gough, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, criticou o uso de medidas comerciais unilaterais “como instrumento de interferência nos assuntos internos de outros países”. E obteve na queixa o apoio de outros 40 países.
Sem mencionar diretamente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano) — que anunciou recentemente uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, a vigorar a partir de 1º de agosto —, Gough condenou o que chamou de “tarifas arbitrárias anunciadas e implementadas de forma caótica”.
“Infelizmente, neste exato momento, estamos testemunhando um ataque sem precedentes ao Sistema Multilateral de Comércio e à credibilidade da OMC. Tarifas arbitrárias, anunciadas e implementadas de forma caótica, estão interrompendo as cadeias de valor globais e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação”, declarou o diplomata.
Gough ressaltou ainda que o Brasil seguirá priorizando soluções negociadas, mantendo sua aposta em boas relações diplomáticas e comerciais. No entanto, alertou que, diante de um eventual fracasso nas tratativas, o país recorrerá a todos os instrumentos legais disponíveis para proteger a economia nacional e os interesses da população — incluindo o uso do sistema de solução de controvérsias da OMC, mecanismo previsto para resolver disputas entre os países-membros da organização.
Apoio internacional
Ao encerrar sua fala, o representante brasileiro defendeu uma posição comum entre as economias em desenvolvimento, argumentando que essas nações, mais suscetíveis a práticas coercitivas, devem se unir em defesa do sistema multilateral de comércio baseado em regras. A intervenção do Brasil recebeu apoio imediato de cerca de 40 delegações, incluindo União Europeia, Canadá, Índia, Rússia e China.
Paralelamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conversou por telefone com a presidente do México, Claudia Sheinbaum (Movimento Regeneração Nacional). No diálogo, destacou a importância de aprofundar os laços econômicos e comerciais entre os dois países, “principalmente diante do atual momento de incertezas”. Ambos os líderes identificaram áreas estratégicas de cooperação, como as indústrias farmacêutica, agropecuária, de biocombustíveis, aeroespacial, além dos setores de inovação e educação.
Já no início da semana, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), havia adiantado que as conversas com Washington foram iniciadas por meio de canais institucionais e “de forma reservada”.
Alternativas e estratégia
Em entrevista ao Correio da Manhã, a advogada Hanna Gomes, especialista em relações internacionais, observou que o Brasil tem historicamente defendido um sistema de comércio pautado por regras claras, como o da OMC. Para ela, a adoção de barreiras comerciais com objetivos políticos internos representa uma violação ao princípio da não-intervenção.
“Dessa forma, fica claro que, apesar das tentativas de negociar com o governo americano, implicitamente o Brasil continua buscando outras frentes de comércio, abrindo novas portas com outros parceiros comerciais. Ao que se vê, esse é um movimento global, frente ao protecionismo americano, que pode levar os EUA ao isolamento”, avaliou.
Com o prazo para a aplicação da tarifa se aproximando, Hanna acredita que o governo brasileiro ainda dispõe de instrumentos diplomáticos para tentar um recuo por parte da Casa Branca. “Ou seja, a negociação do Brasil pode ser exigindo o recuo ou o esvaziamento da relação Brasil-EUA, pois estaremos fechados com outras rotas comerciais”, disse. “Dada a instabilidade e a previsão de mais ventos no norte, é que se espera, também em proteção à nossa soberania”, concluiu.