Trump ameaça taxar em 50% produtos brasileiros
Lula ameaça reciprocidade à pressão em defesa de Bolsonaro
Na manifestação mais contundente já feita pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), contra o governo brasileiro, a Casa Branca divulgou nesta quarta-feira (9) uma carta pública endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anunciando a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil. A nova taxação entra em vigor no dia 1º de agosto.
Segundo o documento, os dois países tiveram anos para discutir o que o governo norte-americano considera uma relação comercial "muito injusta", marcada por políticas tarifárias e barreiras comerciais. "Por favor, entenda que o número de 50% é muito menor do que o necessário para garantir a igualdade de condições que precisamos com o seu país. E isso é necessário para retificar as graves injustiças do regime atual", diz o trecho.
Bolsonaro
Entre as justificativas apresentadas, Trump voltou a defender o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atualmente réu no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de participar de uma tentativa de golpe de Estado em 2022. Trump classificou o julgamento como uma "caça às bruxas" que, segundo ele, "precisa terminar imediatamente".
A carta também menciona supostos "ataques insidiosos" do Brasil às eleições livres e à liberdade de expressão nos Estados Unidos. Como exemplo, Trump citou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra plataformas de redes sociais norte-americanas, que foram multadas e banidas do mercado brasileiro por descumprirem ordens judiciais. A crítica coincide com uma ação da Justiça da Flórida que, na última segunda-feira (7), intimou novamente o ministro Alexandre de Moraes, em processo movido pela Trump Media & Technology Group (TMTG) e pela plataforma Rumble. Desde fevereiro, as empresas acusam o magistrado de "tentativa de censura".
Reciprocidade
Diante do anúncio, o presidente Lula convocou uma reunião ministerial de emergência na noite de quarta-feira (9). O encontro, que durou cerca de uma hora, contou com a presença do vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e dos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil) e do assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim.
Ao final da reunião, Lula subiu o tom: afirmou que o Brasil é um país soberano, com instituições independentes, e que não aceitará ser tutelado por ninguém. Disse ainda que qualquer elevação unilateral de tarifas será respondida com base na Lei de Reciprocidade Econômica, em vigor desde abril deste ano, e que teve como relatora uma oposicionista do governo, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), que foi ministra da Agricultura no governo Bolsonaro. O presidente também rebateu a alegação de déficit comercial dos EUA em relação ao Brasil.
Sobre o julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, Lula declarou que se trata de uma questão interna. "É de competência apenas da Justiça brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais".
Mais cedo, o Itamaraty convocou o encarregado de Negócios da embaixada dos EUA, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos sobre uma nota emitida pela representação diplomática em apoio a Bolsonaro, reiterando o posicionamento de Trump.
Eleições 2026
Para o cientista político e professor da ESPM, Fabio Andrade, as declarações de Trump devem ser analisadas sob duas óticas: a comercial e a política, especialmente no contexto do discurso da direita e da liberdade de expressão. Ele avalia que a defesa de Bolsonaro é parte de uma estratégia ideológica aliada à pressão econômica."É um complemento de ideologia com economia. Então, na medida em que o governo norte-americano se sente ameaçado, vai direcionar mais a carga".
Andrade também chama atenção para as eleições brasileiras de 2026. “Então, seja o apoio dos Estados Unidos ante o governo brasileiro, seja essa posição que provavelmente os atores dessas big techs tomem no sentido de impulsionar uma candidatura de direita no Brasil, não são variáveis que podem ser desconsideradas. Elas podem ter impacto no ambiente macropolítico e tornar a situação muito mais difícil para uma possível reeleição do governo brasileiro. Não é uma variável a ser descartada”, afirmou.
Chance de reversão
Em entrevista ao Correio da Manhã, as advogadas especialistas em direito internacional, Jania Braswell e Gabriela Vilanova, do escritório Jania Braswell P.A., observaram que, apesar do tom duro, o presidente norte-americano sinalizou abertura para negociação ao final da carta.
“É importante pontuar, também, que uma certa ala do governo brasileiro vê as alegações do Trump como vazias, em razão das ameaças de taxação realizadas contra outros países — como por exemplo a China — no começo do ano”, disse Vilanova.
Para Jania, ainda há espaço para uma solução diplomática. “Talvez este seja o momento adequado para que o Brasil busque amenizar a situação no caminho conciliatório, entenda e reconheça que, para os EUA, os últimos acontecimentos políticos e jurídicos têm relevância e impacto sobre princípios inegociáveis do governo americano — entre eles, os interesses de empresas multinacionais", concluiu.