Com impacto orçamentário por vetos, governo joga culpa no Congresso
Estratégia é apontar hipocrisia da oposição. Especialistas avaliam que tática só funciona com boa comunicação
A primeira sessão conjunta do Congresso Nacional que discutiu vetos presidenciais resultará em impactos orçamentários para o poder Executivo. Deputados federais e senadores avaliaram 34 dos 60 vetos presidenciais, na última quarta-feira (17). Os demais vetos foram adiados por falta de acordo entre os parlamentares e a expectativa é que eles sejam avaliados em próxima sessão conjunta, que deve ocorrer antes do recesso parlamentar, em 18 de julho. Diante disso, o governo federal ensaia um discurso para tentar classificar a oposição como hipócrita: dizem que o governo precisa cortar gastos, mas aprovam projetos e medidas que os aumentam.
Dentre os vetos derrubados está a correção do Fundo Partidário, previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que determina a correção do fundo ao valor de 2016 com reajuste ano a ano pela variação acumulada do IPCA, o índice oficial de inflação. Na prática, a medida representa um aumento de R$ 164,8 milhões a partidos políticos a partir de 2026.
Ao Correio da Manhã, o cientista político Rócio Barreto avaliou que a derrubada desse reajuste pode ser usada como um exemplo “para o Executivo se apresentar como contraditório a privilégios políticos em tempos de ajuste fiscal”. Ele ainda reiterou que o governo precisa “marcar a oposição de forma nominal”.
“Tem que mostrar quem são os congressistas individualizando os votos, mostrar as contradições específicas de líderes oposicionistas, principalmente para aqueles que vocalizam críticas à política fiscal do governo”, detalhou Barreto. “Quanto mais ficar evidente e for o impacto dessas decisões fiscais, com juros, inflações e conta pública, maior a chance dessa estratégia do governo dar certo”, ele completou.
Comunicação
E a principal maneira de alcançar essa estratégia do governo é melhorando a comunicação institucional e o marketing governamental. Para a reportagem, o presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP) Odilon Guedes destacou que, se o governo federal tem o interesse de direcionar a responsabilidade do impacto fiscal ao Congresso, “esse tipo de política precisa ser esclarecida”. Do contrário, “o que acaba acontecendo é uma confusão generalizada”.
“Os representantes do governo precisariam ir para a mídia (rádio, televisão, jornais, etc) explicar claramente alguns desses vetos e explicar por que isso iria prejudicar a população. Isso precisa ser feito de forma didática, porque senão fica um jogo político. O governo fala que a oposição é demagoga e a oposição ao mesmo tempo fala que o governo não está cortando gastos”, explicou Guedes ao Correio.
Na mesma linha, Rócio Barreto reiterou que “o governo precisa ir além dos bastidores e traduzir o impacto dessas decisões legislativas para a vida cotidiana das pessoas”.
“Isso exige agilidade narrativa e que seja didático, principalmente nas redes sociais. Falar em uma linguagem clara, objetiva, que todos possam entender”, destacou o cientista político.
Energia
Outro veto que foi derrubado pelos congressistas e deve trazer grande impacto popular é a derrubada de um veto que aumentará a conta de luz. O Legislativo derrubou vetos de itens inseridos no projeto sobre energia eólica em alto-mar e, dentre as medidas, prorrogou por 20 anos os subsídios concedidos para pequenas hidrelétricas, parques de energia de biomassa e de energia eólica que estão sob as regras do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Na prática, a medida resultará em um aumento de 3,5% na conta de luz dos consumidores gerais – um dos argumentos do governo para vetar os trechos. Segundo a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace Energia), a medida impactará em R$ 197 bilhões até 2050.
Questionado pela reportagem, o cientista político Leandro Gabiati relembrou que “tarifa mais cara” impacta diretamente um aumento na inflação. “Energia é um bem que impacta diversos outros itens de consumo”, disse. Gabiati, contudo, ponderou que, quando a conta aumenta, quem é responsabilizado é a atual gestão do Executivo – o que é mais um ponto para a equipe de comunicação do governo trabalhar.
“O Congresso derruba os vetos, sabendo que é uma conta paga pelo consumidor. Mas, no fim do dia, quando chega a conta de uma energia mais cara e quando a inflação aumenta por causa dessa energia mais cara, o cidadão não olha tanto para o Congresso, ainda que tenha sido o Congresso quem aprovou o aumento. Ele olha para o governo e a insatisfação da economia se reflete”, reiterou o cientista político ao Correio da Manhã.