Ação contra bets pede devolução de dinheiro do Bolsa Família

Instituições pedem ainda indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 500 milhões

Por Karoline Cavalcante

Mais de R$ 3 bilhões em apostas com dinheiro do Bolsa Família

Duas instituições da sociedade civil movem uma ação na Justiça Federal de São Paulo, cobrando das plataformas de apostas online, as chamadas bets, a devolução integral dos recursos do Bolsa Família utilizados desde dezembro de 2024. Naquele mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, determinou ao governo federal que adotasse providências para impedir o uso indevido desses recursos em apostas.

A ação civil pública é conduzida pela Educafro Brasil e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan (Cedeca). As organizações solicitam que o montante seja restituído ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pela gestão do programa de transferência de renda.

Além disso, o pedido inclui uma indenização de R$ 500 milhões por danos morais coletivos, a ser destinada a projetos sociais selecionados pelo Fundo Nacional de Direitos Difusos, vinculado ao Ministério da Justiça, ou a programas de prevenção para populações em situação de risco social.

“Não é admissível que empresas que atuam no ramo de apostas lucrem com dinheiro obtido junto a pessoas que estão em situação de hipervulnerabilidade e que por isso precisam do apoio do Estado na manutenção de condições mínimas de nutrição e no acompanhamento da saúde e da frequência escolar dos seus filhos”, afirmou o advogado Márlon Reis, coordenador jurídico da Educafro, em entrevista ao Correio da Manhã.

A petição, que tramita com pedido de tutela de urgência, tem como alvos a União, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que representa 75% do mercado nacional de apostas online, e dez grandes empresas do setor: Bet365, Betano, Betfair, Sportingbet, EstrelaBet, KTO, Superbet, VBET, Novibet e Betnacional.

Dados alarmantes

Segundo dados oficiais do Banco Central, somente em agosto de 2024 essas plataformas receberam cerca de R$ 3 bilhões por meio de transações via Pix, oriundos de aproximadamente cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família. A média de gastos por pessoa foi de R$ 100,00, o que corresponde a cerca de 15% do valor total recebido, considerando o benefício de R$ 682,00. O levantamento ainda revela que quatro milhões desses beneficiários (70%) são chefes de família, ou seja, aqueles que efetivamente recebem o auxílio.

De acordo com um estudo técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor varejista brasileiro deixou de faturar R$ 103 bilhões em 2024 devido ao redirecionamento de recursos das famílias para as plataformas de apostas online. A pesquisa também estima que essa redução causou a perda de cerca de 420 mil postos de trabalho e uma queda de mais de R$ 18 bilhões na arrecadação do país daquele ano.

As entidades autoras da ação acusam as empresas de apostas online de não tomarem medidas voluntárias para coibir a prática de uso de recursos sociais. Afirmam ainda que o fenômeno não é isolado, “mas sistemático e generalizado”. “Configurando verdadeira distorção da política pública de transferência de renda e expondo uma população já vulnerável a riscos ainda maiores de endividamento, ludopatia e agravamento da situação de pobreza”, diz trecho do documento.

Entre as medidas urgentes solicitadas, está a criação de um sistema digital seguro e auditável pelas plataformas, que permita o processamento de dados fornecidos pelo Governo Federal, com registros dos beneficiários do CadÚnico. O objetivo é impedir o cadastramento de novos usuários que sejam parte do programa e remover automaticamente aqueles já cadastrados, em conformidade com a Lei 14.790/2023, que regula as apostas de quota fixa, e com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

CPI das Bets

Com o objetivo de apurar a crescente influência dos jogos virtuais de apostas online sobre o orçamento das famílias brasileiras, os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, seguem em andamento no Senado Federal.

Nesta terça-feira (27), o colegiado ouvirá o depoimento do influenciador digital Luan Kovarik — mais conhecido como Jon Vlogs —, criador da plataforma de apostas Jonbet; além do empresário Jorge Barbosa Dias, proprietário da plataforma de apostas MarjoSports. Ambos foram convocados por requerimento da relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).