Áudios de agente da PF complicam chances de anistia
Policial diz que plano de golpe ia prender ministros do STF e "matar meio mundo"
As declarações do policial federal Wladimir Soares, que admitiu a participação no planejamento para um golpe de Estado, tornam ainda mais frágeis a narrativa de que as manifestações de 8 de janeiro de 2023 foram motivadas apenas pelo desejo de "um país melhor". É o que avalia o cientista político Isaac Jordão, em entrevista ao Correio da Manhã. Ele destacou que, embora haja quem defenda a tese de “casos isolados”, as falas enfraquecem a pauta da anistia no Congresso Nacional — principal aposta política do campo ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em perícia realizada pela Polícia Federal, foram encontrados áudios nos aparelhos eletrônicos do agente, que está preso preventivamente desde novembro do ano passado, acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito que investiga a tentativa de golpe. Nas gravações, o policial afirma, em conversas, que o grupo armado do qual fazia parte tinha a intenção de manter Bolsonaro no poder, podendo, se necessário, "matar meio mundo de gente".
Também revela que poderia prender e executar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e seus familiares. Em um dos trechos, chegou a defender que a cabeça do ministro da Corte, Alexandre de Moraes, fosse cortada.
“Alexandre Moraes realmente tinha que ter tido a cabeça cortada quando ele impediu o presidente de colocar um diretor da Polícia Federal, né? O Ramagem. Tinha que ter cortado a cabeça dele era ali”, afirmou. “A gente estava preparado pra isso, inclusive. Pra ir prender o Alexandre Moraes. Eu ia estar na equipe. Ia botar pra f*der nesse filho da p*ta”, prosseguiu Soares.
Canetada
O agente descreveu que fazia parte de uma equipe de operações especiais, treinada e armada para defender o então presidente. Segundo ele, o grupo estava pronto para “empurrar quem viesse à frente”, mas aguardava apenas a autorização de Bolsonaro, “uma canetada" para colocar o plano em prática. No entanto, o representante do Planalto à época recuou, devido à traição que sofreu “dentro do Exército”.
“Só que o presidente deu pra trás, porque na véspera que a gente ia agir, o presidente foi traído dentro do Exército. Os generais foram lá e deram a última forma e disseram que não iam mais apoiar ele”, diz. Para Wladimir, isso aconteceu porque o Partido dos Trabalhadores — sigla do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva — teria “comprado” o apoio desses generais.
A perícia também identificou mensagens sobre o tema com outros integrantes da corporação. Em uma delas, o delegado Leo Garrido questiona: "Presidente vai dar para trás em quê?". Soares respondeu: “Vai fugir”, mencionando também que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro já tinha ido com a família. Na conversa com o advogado Luciano Diniz, o agente diz que Moraes já tinha um mandado de prisão pronto contra o ex-presidente. Nada disso, porém, se confirmou de fato.
“Núcleo Três”
A Primeira Turma do STF marcou para terça (20) e quarta-feira (21) a análise da denúncia oferecida pela PGR no chamado “Núcleo Três”. Este grupo é composto por 12 acusados de planejar "ações táticas" para efetivar a tentativa de golpe de Estado. Além de Wladimir, integram militares da ativa e da reserva do Exército. Até o momento, os magistrados já tornaram réus, por unanimidade, os membros do núcleo um, dois e quatro — Jair Bolsonaro, inclusive, faz parte do primeiro.
Caso se confirme a veracidade dos áudios, o cientista político André Rosa avalia que, embora possa despertar a percepção de que existiu um plano para a realização do golpe, também tende a aliviar o fardo de Bolsonaro em relação aos atos, pois abre a via de interpretação da “desistência”.
“Em resumo, existiu um plano, porém, esse plano não foi autorizado”, disse.
“Isso retira a tese de que Bolsonaro não sabia de tudo, pois se o plano só dependia de um ‘ok’ ou de uma canetada do presidente, como é dito no próprio áudio, isso sugere que ele estava totalmente ciente do que estava acontecendo — o que explicaria sua saída do país. Mas, por outro lado, ele não legitimou esse ato”, explicou Rosa à reportagem.