Brasil pode aplicar tarifas a EUA como retaliação, em último recurso
Ao Correio, especialistas destacam que diplomacia precisa de cautela para não ampliar conflitos
Novas declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (partido Republicano) trazem à tona um novo capítulo de incerteza nas relações comerciais entre o país com o Brasil. Em seu primeiro discurso diante do Congresso americano, o presidente citou o Brasil como um país que aplica tarifas “injustas” em produtos norte-americanos no mercado internacional. A declaração ocorreu na noite desta terça-feira (4).
“Outros países usaram tarifas contra nós por décadas, e agora é a nossa vez de começar a usá-las contra eles. A União Europeia, China, Brasil e Índia, México e Canadá e diversas outras nações cobram tarifas tremendamente mais altas do que cobramos deles. É injusto. […] No que eles nos taxarem, nós os taxaremos. Se eles aplicarem medidas não tarifárias para nos manter fora do mercado deles, então nós faremos barreiras não monetárias para mantê-los fora do nosso mercado”, declarou Trump.
Está previsto para entrar em vigor a partir de 21 de março a implementação de tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio brasileiro. Nesse meio tempo, as diplomacias de ambos os países precisam articular para tentar reduzir os impactos e danos que a medida pode gerar para as nações. O vice-presidente da República e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), pretende se encontrar ainda nesta semana com o secretario do Comercio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, para discutirem as tarifas impostas aos países.
A política econômica protecionista foi promessa de campanha de Donald Trump. O novo presidente também vem ameaçando anteriormente aplicar tarifas de 150% aos produtos dos países que compõem o Brics, bloco do qual faz parte o Brasil, caso o bloco passe por uma “desdolarização” e adote uma nova moeda para as suas relações comerciais.
Retaliação
Diante das mudanças propostas pro Trump, apesar de a diplomacia brasileira adotar um tom cauteloso nas negociações entre os países, o governo brasileiro cogita aplicar tarifas a produtos ou serviços norte-americanos, dentre elas, a taxação de Big Techs, as empresas que controlam as redes sociais. O tema já era discutido em território nacional antes das eleições dos Estados Unidos.
Ao Correio da Manhã, o internacionalista e especialista em comunicação política João Cândido destacou que qualquer decisão que envolva taxação precisa estar acompanhada de “uma narrativa bem estruturada”.
“A taxação das Big Techs já é uma pauta recorrente, com argumentos voltados para a equidade tributária e a regulamentação do mercado digital. No entanto, se for adotada como retaliação comercial, o governo precisará comunicar claramente os motivos e os objetivos dessa medida, evitando que seja interpretada como uma ação meramente punitiva. A falta de um discurso bem fundamentado pode gerar repercussões negativas na imprensa internacional e entre investidores. Caso o Brasil opte por retaliar, a comunicação do governo precisará reforçar a ideia de defesa dos interesses nacionais, evitando transmitir uma imagem de escalada de conflito comercial”, explicou à reportagem.
O Correio também conversou com o consultor de Política Internacional da BMJ Consultores Associados Vito Villar, que concorda com a possibilidade de o governo brasileiro retaliar os Estados Unidos. Porém, para ele, este não deve ser o primeiro recurso a ser aplicado. “O mais provável é que se busque a negociação de termos mais favoráveis antes de partir diretamente para uma guerra comercial. É importante relembrar que, internamente, aumentar imposto de importação tem custado muita popularidade ao governo. Portanto, medidas assim serão vistas com cautela”, reiterou.
Impactos
O internacionalista João Cândido destacou que “a escalada de tarifas pode gerar impactos diretos na cadeia produtiva de ambos os países, elevando custos para setores estratégicos, como a indústria siderúrgica e de tecnologia”.
“É essencial que o Brasil articule sua posição junto à comunidade internacional e utilize canais diplomáticos para minimizar os danos à imagem do país como parceiro comercial confiável. Além disso, um agravamento desse cenário pode impactar setores como agronegócio e manufatura, que dependem de exportações para os EUA. Dessa forma, a narrativa governamental deve buscar o equilíbrio entre firmeza na defesa dos interesses nacionais e a manutenção do diálogo como ferramenta essencial para resolver impasses comerciais”, afirmou.
Vito Villar ainda completou que o impacto direto “mais claro” será o impacto inflacionário, “especialmente para o setor industrial que importa o maquinário para as fábricas dos EUA”. “Além disso, também existe importação de petróleo refinado, defensivos agrícolas e produtos da indústria química. Dessa forma, uma eventual retaliação do Brasil tem potencial a ser mais prejudicial à indústria brasileira a curto prazo”, disse.