O procurador-geral da República, Paulo Gonet, resolveu fatiar os casos que pesam contra o ex-presidente Jair Bolsonaro em mais de uma denúncia, para não misturar os temas. Além da acusação de ter comandado um grupo que tramou um golpe de Estado, Bolsonaro também está implicado por supostamente ter falsificado certificado de vacina contra a covid-19 e por ter vendido joias e outros bens que recebeu de outros países como chefe de Estado.
Os detalhes sobre a acusação do golpe, estão detalhados na denúncia de Gonet. Mas a delação feita pelo ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, detalha também as outras duas acusações. O sigilo da delação de Mauro Cid foi levantado nesta quarta-feira (19) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O Correio da Manhã debruçou-se sobre as 582 páginas do documento que contém a delação de Mauro Cid. E traz os detalhes sobre o que ele falou sobre os demais casos.
Vacina
Na colaboração, Cid detalhou que, inicialmente, havia solicitado um cartão de vacinação falsificado para sua própria família. Contudo, ao tomar conhecimento do plano, o então presidente Jair Bolsonaro ordenou que cartões falsificados também fossem feitos para ele e para sua filha, Laura Bolsonaro. A inserção dos dados no sistema Conecte SUS, plataforma oficial do Ministério da Saúde, foi realizada com a ajuda de terceiros, como o capitão reformado Ailton Barros. O depoente afirmou que, após a finalização do processo, imprimiu e entregou pessoalmente os cartões a Bolsonaro.
Cid explicou que o objetivo era obter os cartões falsos para “uma necessidade qualquer”. Entre as justificativas apresentadas estava a exigência do certificado para viagens internacionais, quando a vacinação era necessária para a entrada em outros países, mas sem que, de fato, tivessem se vacinado. Após ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, onde passou três meses.
Posteriormente, o coronel do Exército, Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, tomou conhecimento da situação, rasgou os certificados e orientou Cid a desfazer os registros, o que foi feito.
Joias
Em outro trecho de sua delação à Polícia Federal (PF), Mauro Cid informou que Bolsonaro recebeu US$ 86 mil em dinheiro vivo (cerca de R$ 500 mil na cotação atual) pela venda de presentes recebidos de autoridades estrangeiras. O pagamento ocorreu de forma parcelada entre 2022 e 2023, e os itens negociados incluíam joias e relógios de luxo que faziam parte do acervo presidencial.
Cid detalhou que os presentes recebidos por Bolsonaro durante suas viagens oficiais eram primeiramente encaminhados à Ajudância de Ordens e, depois, ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), órgão responsável pela destinação dos itens. O GADH decidia se os objetos seriam incorporados ao acervo público ou considerados como parte do acervo pessoal do ex-presidente. No caso das joias e relógios, o GADH determinou que esses itens seriam de propriedade privada de Bolsonaro.
Entre os itens vendidos estava um “kit de joias de ouro branco”, presenteado pela Arábia Saudita em 2019. A venda gerou US$ 18 mil (R$ 102 mil), quantia que foi entregue diretamente a Bolsonaro “de forma a evitar que circulasse no sistema bancário”. O restante do valor, US$ 68 mil (R$ 388 mil), foi obtido com a venda de dois relógios de luxo, um da marca Rolex e outro Patek Philippe. Cid revelou que esses relógios foram negociados com uma loja na Filadélfia, nos Estados Unidos, e que o pagamento foi feito de forma fracionada, por meio de seu pai, o general Mauro César Lourena Cid, que residia no país na época.
As negociações ocorreram, inclusive, durante compromissos oficiais. Um exemplo disso foi quando Bolsonaro participou da abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2022, em Nova Iorque, ocasião em que Lourena Cid entregou U$ 30 mil (R$ 171 mil). O restante dos pagamentos foi realizado no final de 2022, durante a participação de Lourena Cid em um evento da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Brasília, quando entregou U$ 10 mil (R$ 57 mil). Em fevereiro de 2023, Bolsonaro visitou Lourena Cid em Miami e recebeu mais U$ 20 mil (R$ 114 mil). Por fim, em março de 2023, por intermédio do capitão Osmar Crivelatti, foram entregues U$ 26 mil (R$ 148 mil).
Em 2024, a Polícia Federal (PF) indiciou Bolsonaro, Cid e outras 15 pessoas sob suspeita de envolvimento em um esquema de fraude com cartões de vacinação. No mesmo ano, Bolsonaro também foi indiciado, juntamente com outras 10 pessoas, no caso das joias sauditas. Em seus pronunciamentos, a defesa do ex-presidente sempre negou qualquer envolvimento nos crimes.