A denúncia do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas, protocolada na noite desta terça-feira (18), gerou uma série de repercussões. Eles foram indiciados por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e “uma série de atos dolosos ordenados à abolição do Estado Democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito”, conforme escreveu Gonet na sua denúncia, de 272 páginas. O caso agora será analisado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que avaliará se há material suficiente da materialidade e autoria dos crimes.
A expectativa é que o caso seja julgado no plenário da Corte e o ministro relator siga sendo o ministro Alexandre de Moraes. Nesta quarta-feira (19), o Supremo intimou Jair Bolsonaro a apresentar sua defesa técnica em até 15 dias.
A denúncia repercutiu em todos os poderes. No Executivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já foi preso por acusações de corrupção mas depois teve suas condenações derrubadas e conseguiu concorrer à terceira gestão, evitou comentar abertamente sobre o caso. Durante um evento com o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, no Palácio do Planalto, Lula disse que não comentará “um processo que está na Justiça”.
“Nesse país todas as pessoas têm direito à presunção de inocência. Se eles provarem que não tentaram dar um golpe e se eles provarem que não tentaram matar o presidente, o vice-presidente e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral [TSE], eles ficarão livres e serão cidadãos que poderão transitar o Brasil inteiro”, afirmou. De acordo com as investigações da Polícia Federal (PF), dentro da trama da tentativa de golpe constava um plano para assassinar Lula, seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e o então presidente do TSE, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
“[Mas] se na hora que o juiz for julgar, chegar à conclusão que eles são culpados, eles terão que pagar pelo erro que cometeram. Portanto, é apenas o indiciamento, o processo vai agora para a Suprema Corte e eles terão todo o direito de se defenderem. Não posso comentar mais nada do que isso”, finalizou o presidente.
Delação
Já no poder Legislativo, parlamentares da oposição realizaram, na tarde desta quarta-feira (19), uma entrevista coletiva no Congresso Nacional sobre o processo contra Bolsonaro. Um dos principais argumentos usados por aliados do ex-presidente contra a denúncia é o fato de grande parte das acusações serem baseadas nas delações premiadas do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
O novo líder da Oposição na Câmara dos Deputados, deputado Zucco (PL-RS), classificou a denúncia de Gonet como uma “peça de ficção”.
“É uma denúncia encomendada para gerar um resultado que todos já conhecem. Denúncia essa baseada em delações e presunções. Ao longo do processo, o delator foi alterando e omitindo fatos, situação mais do que suficiente para anular as delações”, destacou Zucco.
Na mesma linha, a líder da minoria na Câmara, deputada Caroline De Toni (PL-SC), criticou a PGR ter usado como prova a delação de Mauro Cid, alegando que não há provas suficientes para sustentar a denúncia. “É uma prova frágil. Essa prova não vale, é uma narrativa construída que tem endereço certo para tentar intimidar o ex-presidente Bolsonaro e a direita desse país”, acusou De Toni.
Moraes
O líder da oposição no Senado, senador Rogério Marinho (PL-RN) ainda criticou as chances do relator do caso ser o ministro Alexandre de Moraes, já que o magistrado foi um dos alvos do plano e se coloca como “vítima do caso”. Ou seja, seria parte do processo. Dessa forma, o senador reforçou que não há a plena certeza de que o caso será julgado com plena imparcialidade.
“Como que nós podemos acreditar na isenção [imparcialidade] de um ministro que preside esse inquérito e é o mesmo ministro que se coloca como inimigo e adversário do principal acusado? E se coloca como a vítima de uma eventual trama. Cadê a imparcialidade da Justiça?”, questionou Marinho.
Em dezembro de 2024, a defesa de Bolsonaro encaminhou ao Supremo um recurso solicitando a retirada do ministro Alexandre de Moraes da relatoria do inquérito da Polícia Federal (PF) que trata da tentativa de golpe de Estado em 2022. No recurso, que solicitava a troca de relator do caso, os advogados do ex-presidente argumentam que, o ministro da Suprema Corte teria virado parte interessada no caso após ter acolhido medidas cautelares logo no início da investigação – o que, segundo a defesa de Bolsonaro, configuraria a situação de “impedimento”. Porém, o recurso foi negado pelos ministros em votação no plenário virtual da Corte.
Ao final da coletiva, os parlamentares convocaram a população e interessados para participarem do ato bolsonarista contra o presidente Lula, marcado para o dia 16 de março, em Copacabana (RJ). Outro tema destacado pelos parlamentares sobre o caso é o projeto de lei que concede anistia aos presos e réus envolvidos nos atos antidemocráticos contra a sede dos três poderes em 8 de janeiro de 2023.
Governistas
Horas depois da coletiva de parlamentares da oposição, no mesmo dia, parlamentares da base governista realizaram outra coletiva sobre o caso, desta vez favorável à denúncia da PGR e contra a anistia.
Na coletiva, a líder da bancada do Psol na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ), classificou que, com a denúncia de tentativa de golpe, “a agenda da anistia passa a ser inaceitável".
“Alguns dizem: ‘Mas nada aconteceu”. Foi uma tentativa, que está instalada no artigo 195 do Código Penal, o crime é de tentativa, porque depois que a tentativa de golpe se efetiva, não há o que fazer porque o golpe está dado. Portanto, tentativa de golpe é crime. Cada um, inclusive Jair Bolsonaro, precisa ser responsabilizado”, destacou Petrone.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ainda reiterou que “consciência democrática se fortalece resgatando memória”, não perdoando crimes.
“A denúncia é muito robusta”, considerou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). “A impressão que dá, ao ouvir os argumentos da oposição, é de que eles não leram o documento. Seus argumentos são frágeis e não terão chance de prevalecer”.