O procurador-geral da República, Paulo Gonet, protocolou, por volta das 20h30 desta terça-feira (18) a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de estado e outros supostos crimes relativos à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. A denúncia de Gonet agora será julgada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). A denúncia aponta Bolsonaro como o líder do grupo que tentou o golpe. E denuncia também outras 33 pessoas, incluindo o ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro general Walter Braga Netto, que foi derrotada em 2022 pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na denúncia, Gonet acusa Bolsonaro dos crimes de “organização criminosa armada”, “golpe de Estado”, “tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito”, “dano qualificado por violência”, “grave ameaça contra o patrimônio da União” e “deterioração de patrimônio tombado”. Em novembro de 2024, o ex-presidente fora indiciado pela Polícia Federal, junto com outras 39 pessoas. Caso o STF acate a denúncia, Bolsonaro se tornará réu e será julgado pelos crimes a ele imputados.
Minuta
De acordo com a acusação de Gonet, uma das provas contra Bolsonaro seria o fato de que ele analisou e pediu alterações em um texto no qual se sugerir a decretação de Estado de Sítio, a partir do qual a eleição vencida por Lula seria anulada. O texto previa a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal e do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As alterações sugeridas por Bolsonaro manteriam somente a prisão do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator das ações sobre os atos antidemocráticos, e era então o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Bolsonaro teria, ainda, submetido o documento aos comandantes das Forças Armadas em busca de obter deles apoio militar ao que pretendia, segundo a acusação. Mas somente o então comandante da Marinha, Almir Garnier, aceitou colaborar.
A argumentação da chamada “minuta de golpe” seria que o TSE, sob o comando de Moraes, teria tomado “decisões inconstitucionais” para fazer Lula vencedor. Na minuta, as Forças Armadas seriam instadas a intervir, tornando-se uma espécie de “poder moderador” até a realização de novas eleições.
Fake News
Gonet afirma ainda que Bolsonaro e os demais teriam atuado para disseminar notícias falsas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. Dentro desse esforço de descredibilizar a eleição brasileira, está a reunião que Bolsonaro fez com embaixadores de outros países. Essa reunião já levou o ex-presidente a ser condenado pelo TSE, condenação que o tornou inelegível.
A “trama golpista” teria se iniciado, segundo Gonet, em julho de 2022, quando Bolsonaro realizou uma reunião ministerial. O encontro foi gravado pelo ex-ajudante de Ordens do ex-presidente tenente-coronel Mauro Cid, que fez acordo e colabora com a investigação. Na reunião, Bolsonaro diz que “os caras estão preparando tudo para Lula ganhar no primeiro turno” (na verdade, Lula venceu em 2022 no segundo turno. E completa: “Se a gente reagir depois das eleições, o Brasil vai virar um caos, uma grande guerrilha”.
Militares
Outro ponto importante foi a reunião com os comandantes militares. Segundo o relato do então comandante do Exército, general Freire Gomes, Bolsonaro teria sugerido a decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para justificar uma intervenção militar. Outras hipóteses seriam decretação de Estado de Emergência ou Estado de Sítio.
Segundo o general, ele e o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, foram contra as sugestões. E Garnier, da Marinha, o único a favor. O que fez com que, então, a ideia naquele momento não avançasse.
E agora?
Agora, a denúncia de Gonet será avaliada pela Primeira Turma, que é formada por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O grupo primeiro analisa se a denúncia será rejeitada ou recebida pelo Supremo. Caso seja recebida, Bolsonaro e os demais denunciados tornam-se réus.
Inicia-se a fase de instrução do processo. São colhidas provas, ouvidas as partes, as defesas podem pedir diligências, perícias e pedidos de nulidade. Terminada a fase de instrução. Alexandre de Moraes, que é o relator, profere, então o seu voto. E, depois, os demais ministros julgam também o caso. A expectativa é que o STF julgue até o final do ano, evitando, assim, que a análise se prolongue em 2026, que é ano eleitoral.
Apoio
À espera da denúncia do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) participou da reunião de líderes no Senado Federal, nesta terça-feira (18), para reforçar o apoio dos seus aliados. À noite, o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), divulgou nota criticando a denúncia.
“Não nos causa surpresa a denúncia formalizada pela PGR envolvendo o Presidente Jair Bolsonaro. A própria imprensa, por meio de vazamentos seletivos, já anunciava, inclusive, a pena que seria pedida. Certos de sua inocência, esperamos com serenidade que a justiça seja feita e que, finalmente, sejam observados os princípios do juízo natural, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal”.
"A Liderança da Oposição reafirma seu total apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, um líder que sempre se pautou pelo respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito. Rejeitamos com firmeza qualquer tentativa de criminalização de sua trajetória política e denunciamos essa ação como uma ofensiva seletiva com motivações que transcendem o campo jurídico. Seguiremos vigilantes e atuantes na busca pela verdade e pela justiça, garantindo que nenhum brasileiro – especialmente um ex-chefe de Estado – seja alvo de perseguição política disfarçada de procedimento legal", publicou também o líder da oposição na Câmara, Luciano Zuzzo (PL-RS)
Pela manhã, Bolsonaro chegou a dizer que não estava “preocupado” com a denúncia. Mas articulou com seus aliados seus próximos passos. Dentre os tópicos tratados com seus aliados, Bolsonaro reforçou que a maior prioridade no Congresso Nacional deve ser a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2858/2022, que concede anistia dos presos envolvidos nos atos antidemocráticos contra a sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. O ex-presidente destacou que acredita que a Câmara dos Deputados tem quórum suficiente para aprovar a medida.
“Hoje, o que eu sinto, conversando com parlamentares, como os do PSD, é que a maioria votaria, é favorável [ao projeto] e eu acho que na Câmara já tem quórum para aprovar a anistia”, destacou Bolsonaro à imprensa na saída do almoço com parlamentares.
O projeto concede anistia a todas as manifestações por motivação política ou eleitoral, inclusive quem contribuiu com doações, apoio logístico, prestação de serviços e até publicações em plataformas e nas mídias sociais, entre 8 de janeiro de 2023 e da data de promulgação da lei. Todavia, o último relatório do deputado federal Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) não anistia crimes como depredação a patrimônios públicos e históricos.
O projeto de lei começou a ser discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em outubro de 2024. Mas o então presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), determinou que o PL seria discutido em uma comissão especial, que ainda não foi instalada. Na época, a medida foi estratégica para garantir mais votos para a candidatura de Hugo Motta (Republicanos-PB) como seu sucessor. Contudo, a instalação dessa comissão especial não deve demorar para acontecer, visto que Motta já declarou em entrevistas que o texto será discutido, mas “será discutido com tranquilidade”.
Lei da Ficha Limpa
Outra prioridade da oposição no Legislativo é o projeto de lei que altera o período de inelegibilidade proposto pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135, de 2010) de oito para dois anos. A mudança vale para réus condenados por três tipos de crimes: abuso de poder político, abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Bolsonaro teve duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No caso da reunião com embaixadores para questionar o sistema eleitoral, por uso indevido dos meios de comunicação. No caso de utilização da festa de Sete de Setembro para promoção política, por abuso de poder. Dessa forma, se aprovada, a medida beneficiaria Bolsonaro, possibilitando que ele dispute as eleições presidenciais de 2026 (atualmente, ele está inelegível até 2030).
De acordo com o ex-presidente, a Lei da Ficha Limpa está sendo usada para beneficiar a esquerda e prejudicar a direita. "Não é anistia ao meu caso. No meu caso, é mudar a Lei da Ficha Limpa. Deixa amadurecer um pouquinho mais. O pessoal está entendendo que a Lei da Ficha Limpa é usada para perseguir a direita”, defendeu Bolsonaro, que usou como exemplo de que os Estados Unidos não tem lei da Ficha Limpa. “Se tivesse, o Trump estaria inelegível”, completou.