A acusação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de que a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) teria orientado voto no então candidato à prefeitura da capital paulista, Guilherme Boulos (Psol), pode vir de fato a torná-lo inelegível. E as consequências podem atingir também o prefeito reeleito, Ricardo Nunes (MDB), por ter sido beneficiado com a afirmação. É o que avalia o advogado e professor de direito eleitoral, Alberto Rollo. Tal interpretação já havia sido adiantada na segunda-feira (28) por Fernando Molica, na sua coluna Correio Bastidores.
Segundo o especialista, caso seja comprovada que a informação divulgada é falsa, Nunes poderá ter o seu registro cassado além de uma possível inelegibilidade. O fato de a declaração ter sido feita no dia do segundo turno do pleito pode influenciar na “confirmação do abuso do poder político”.
“Pode haver cassação do registro/diploma do Nunes, e/ou inelegibilidade dos dois (Nunes e Tarcísio). Mas é um processo que tem começo, meio e fim, com ampla defesa, contraditório, e todas as instâncias da Justiça Eleitoral”, iniciou. “(A data) pode ajudar na confirmação do abuso do poder político na medida em que [Tarcísio] aguardou um momento específico que pudesse influenciar no pleito. Mas tudo depende de comprovação e não de “achismos”, acrescentou Rollo.
Declaração
Em entrevista à imprensa no último domingo (27), Tarcísio afirmou, sem apresentar evidências, que a inteligência do governo de São Paulo interceptou mensagens da facção criminosa, e viu um “salve” — comunicado interno da organização — que pedia o voto dos membros, na chapa formada por Guilherme Boulos e Marta Suplicy (PT). A fala foi feita no colégio de votação do governador, no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo. Ele estava acompanhado de Nunes e Mello Araújo (PL), vice da chapa do MDB.
“A gente vem alertando isso há um tempo sobre o crime organizado na política. Então, nós fizemos um grande trabalho de inteligência, temos trocado informações com o Tribunal Regional Eleitoral para que providências sejam tomadas”, afirmou Tarcísio.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que “o Sistema de Inteligência da Polícia Militar interceptou a circulação de mensagens atribuídas a uma facção criminosa determinando a escolha de candidatos à prefeitura nos municípios de Sumaré, Santos e Capital. A Polícia Civil investiga a origem das mensagens”, disse, em nota.
Ação
A defesa de Guilherme Boulos entrou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral na 1ª Zona Eleitoral do estado por abuso de poder político e por uso indevido dos meios de comunicação. No documento, pediu pela inelegibilidade do governador pelos próximos oito anos e a cassação da chapa de Nunes. “Trata-se de gravíssima tentativa de influenciar no resultado do pleito, no dia da eleição, de uma forma jamais vista no Estado de São Paulo”, diz o texto.
"Agora, no dia da eleição, na boca do governador do estado, vem mais um ataque, uma mentira inacreditável, ao lado do meu adversário. Então, isso mostra, de um lado, o desespero dos nossos adversários e um ataque sem limite, de outro lado, alguém que está sentado na cadeira de governador, se sujeitar a desempenhar um papel como esse para tentar influenciar no resultado das eleições. Isso é crime eleitoral", afirmou o candidato do Psol. No primeiro turno, ele também fora alvo de um falso laudo médico que atestaria consumo de cocaína, na ocasião postado nas redes sociais pelo candidato do PRTB à prefeitura, Pablo Marçal.
Autoridades
O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, afirmou que a fala do governador de SP “compromete os princípios republicanos que deveriam guiar o processo eleitoral”.
“Tal comportamento não pode ser ignorado pelas autoridades competentes, principalmente no que tange à preservação da integridade das eleições”, disse, em publicação na rede social X.
Sem citar diretamente a situação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, mencionou, nesta segunda-feira (28), a Lei de Inelegibilidade, e alertou para a necessidade de novas normas para conter o abuso de poder nas disputas eleitorais.
“Um desafio para o Brasil: a persistência – sob novas formas – de antigos problemas, regulados pela Lei Complementar 64, de 1990. As atuais formas (para tradicionais abusos) derivam de inovações tecnológicas, institucionais e culturais, todas demandando reflexões teóricas, elaborações normativas e atividade jurisprudencial”, publicou Dino.