Com o retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Brasil, a participação do presidente brasileiro na 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) deixará marcas quanto ao posicionamento do país diante dos conflitos do mundo. Especialista ouvido pelo Correio da Manhã avalia que os posicionamentos do presidente foram coerentes com os discursos que já fazia anteriormente. O problema para Lula, porém, parece ser manter sua condição de liderança no continente sul-americano num quadro bem mais complexo e com as dificuldades apontadas diante da sua dubiedade no trato da questão da Venezuela com Nicolás Maduro.
Durante sua atuação na conferência da ONU, o presidente brasileiro deixou claro seu posicionamento contrário às atitudes tomadas por Israel – tanto no conflito na Faixa de Gaza, quanto agora no Líbano.
“Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”, afirmou Lula em seu discurso de abertura da assembleia na última terça-feira (24).
E além das falas, a diplomacia brasileira também se manifesta por ações, mesmo que discretas. Pouco antes do discurso do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, nesta sexta-feira (27), a comitiva brasileira se retirou do local, como uma forma de protesto. A atitude foi um pedido do Itamaraty, mesmo quando o presidente Lula já havia retornado ao Brasil, na madrugada de quinta-feira (26). No dia anterior, a delegação do Brasil compareceu ao discurso do presidente da Autoridade Nacional da Palestina (ANP), Mahmoud Abbas.
Para a reportagem, o cientista político Kleber Carrilho avalia que a atuação da comitiva brasileira e os discursos do presidente Lula foram coerentes com a forma como o Brasil tem se posicionado com relação às atitudes de Israel desde o ataque desferido pelo grupo Hamas em 7 de outubro do ano passado.
Ucrânia
Além das críticas contra Israel, durante o evento o presidente Lula voltou a se posicionar a respeito da guerra entre Rússia e Ucrânia, que já dura mais de dois anos. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, criticou a proposta de paz do Brasil e da China para tentar dar um fim à guerra. Na ONU, Zelensky questionou quais eram “as verdadeiras intenções” dos dois países com o conflito.
O Brasil e a China organizam a proposta de paz “Entendimentos Comuns entre a China e o Brasil sobre a Solução Política da Crise na Ucrânia”. No plano, o Brasil e a China defendem uma solução política para a crise, com seis pontos para tentar dar um fim à guerra.
“O presidente Lula tem insistido em estar ao lado da China na resolução do conflito entre Ucrânia e Rússia. Concordemos ou não, é um posicionamento estrategicamente pensado. Isso é tão importante que o Zelensky está considerando esse aspecto da proposta de paz da China e o Brasil. Quando ele cita, mesmo que ele esteja criticando, quer dizer que ele está considerando”, ponderou Kleber Carrilho.
Venezuela
Se, porém, os posicionamentos quanto ao conflito no Oriente Médio e na Europa podem reforçar uma liderança brasileira, apesar das críticas e questionamentos, o mesmo talvez não possa ser deito quanto a América do Sul. E esse é um grande problema para Lula, já que é no continuente sul-americano que o Brasil exerce sua maior liderança.
Nos discursos oficiais, Lula preferiu passar ao largo da crise na Venezuela, desde que Nicolás Maduro autodeclarou-se vencedor da última eleição presidencial sem apresentar a comprovação disso. O presidente Lula citou a grave situação do Haiti, além de falar que a América Latina vive uma segunda década perdida e voltou a condenar o embargo unilateral dos Estados Unidos a Cuba, classificando como "injustificado". Porém, o brasileiro não citou o conflito na Venezuela, em decorrência das eleições presidenciais.
O silêncio do presidente brasileiro foi alvo de críticas do presidente do Chile, Gabriel Boric. Durante o evento “Em defesa da democracia. Lutando contra extremismos” – organizado pelos presidentes do Brasil e da Espanha, Pedro Sánchez –, o presidente chileno criticou o silêncio de países com relação a comportamentos de líderes de esquerda, que optaram por se abster de comentar as eleições venezuelanas até a divulgação das atas eleitorais – que foi o posicionamento do Brasil.
“As forças progressistas são enfraquecidas quando diante de certos conflitos adotam posturas vacilantes, hesitantes ou em defesa de equidades por interesses políticos em lugar de defender seus princípios”, disse Boric.
Ele ainda destacou que a “afirmação dos direitos humanos não pode ser julgada de acordo com a cor do ditador ou do presidente que a violar”. “Seja [Benjamin] Netanyahu, em Israel, Maduro, na Venezuela, [Daniel] Ortega, na Nicarágua, ou Vladimir Putin, na Rússia”, completou.
Kleber Carrilho, que é pesquisador da universidade de Helsinque na Finlândia, concorda que Lula “falha” ao não se posicionar sobre a Venezuela. Porém, o presidente brasileiro ainda tem outras vertentes para avaliar como se posicionar no caso.
“Entendo que o Boric tenha se posicionado, mas o presidente Lula está esperando a eleição dos Estados Unidos para ver essa questão da Venezuela porque, dependendo de quem ganhar, as possíveis soluções serão muito diferentes”, avalia o cientista político.