Por: Gabriela Gallo

Indígenas fazem nova investida contra Marco Temporal

Indígenas marcharam até o Congresso | Foto: Jose Cruz/ Agência Brasil

A 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, trouxe novamente à tona a discussão sobre o Marco Temporal da demarcação de terras indígenas. Esse é o principal tema e palavra de ordem do ATL 2024: “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”. O acampamento busca trazer novamente o protagonista dos povos originários e a presença contínua dos povos indígenas na ocupação das terras tradicionais.

Nesta terça-feira (23), segundo dia do evento, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) convocou a imprensa para uma coletiva, onde reforçou que irá acionar novamente o Supremo Tribunal Federal (STF) para retomar a discussão do tema.

“Nós estamos tentando articular para o próxima semana uma agenda no STF para tratar sobre essa ação. E aqui na Casa vários parlamentares já estão com a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] pronta, uma vez que o STF dê aceno, eles já estão se preparando para entrar com a PEC”, disse a deputada.

O projeto do Marco Temporal determina que a demarcação de novos territórios indígenas só será permitida em espaços que estavam ocupados pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Lideranças indígenas, ativistas e demais grupos contrários argumentam que a medida pode trazer maiores conflitos em áreas já pacificadas, já que a medida pode causar revisões de reservas já demarcadas, para verificar se elas aconteceram depois da Constituição ou não.

À imprensa, Xakriabá reforçou que a tese da demarcação de terras é prejudicial para todo o país. “A derrota trazida pelo marco temporal não é derrota somente para nós, indígenas. É para o Estado brasileiro", disse.

“Para nós [indígenas] alternativas para barrar o garimpo ilegal, o desmatamento ilegal, a exploração de combustíveis fosseis na Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pampas e Pantanal não é legalizando o garimpo. Porque nós não conhecemos morte legal. Tipificar o crime de ecocídio é responsabilizar. Se fosse tipificado crime de ecocídio, a aprovação do Marco Temporal seria considerada crime climático. A não demarcação dos territórios indígenas coloca em risco a vida de cada um de nós”, criticou a deputada.

Entenda

Em setembro de 2023, o STF considerou a tese do Marco Temporal inconstitucional. Meses depois, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que determinava a demarcação. O projeto foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que depois teve o veto derrubado em sessão conjunta no Congresso, que deu promulgação à Lei nº 14.701/2023.

O Congresso manteve os seguintes pontos vetados pelo presidente Lula: a retomada de terra indígena por alteração de traços culturais; o plantio de transgênicos em terras indígenas, e o contato com povos isolados, que deve ser evitado ao máximo, salvo para prestação de auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.

Quanto ao tema, nesta segunda-feira (22) o ministro da Suprema Corte Gilmar Mendes decidiu abrir uma conciliação sobre o tema. Na mesma decisão, o magistrado determinou a suspensão de todos os processos na Justiça que discutam a constitucionalidade da lei aprovada no ano passado que fixou o Marco Temporal.

Em entrevista ao Correio da Manhã, o advogado Melillo Dinis, que atua na defesa dos povos indígenas, explicou que, atualmente, a tese do Marco Temporal se trata de um quebra-cabeça, visto que o julgamento do Recurso Extraordinário em que o Supremo considerou a regra inconstitucional – de relatoria do ministro Edson Fachin – ainda não foi concluído. Isso torna o tema “passível da análise do recurso denominado Embargos de Declaração, aguardando julgamento”. Enquanto isso, após a Lei nº 14.701/2023 ser promulgada, três partidos políticos pediram ao STF “que declare a validade da lei que estabelece o marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas”.

“No nosso modelo de Constituição, a última palavra é sempre do STF, por ela ser responsável pelo controle constitucional. Desta vez, porém, o Marco Temporal é uma lei federal, e sua invalidação, como for, trará altos custos políticos à Corte, em meio a uma relação já conturbada com o Congresso”, afirmou Mellilo.

Ele ressaltou que, na prática, esse vai e vem do tema entre Legislativo e Judiciário é uma estratégia da bancada do agronegócio e demais setores mais conservadores do Congresso.

“Uma vez declarado inconstitucional, houve uma nova lei. Se, caso a lei seja, mais uma vez, declarada inconstitucional, haverá uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). E por aí vai. A intenção é impedir a pressão no governo federal, ainda claudicante quanto a este tema, por temas no Judiciário, atrasando a garantia deste direito fundamental dos povos indígenas”, ressaltou.