Por: Ana Paula Marques

A voz das urnas eletrônicas

Sara gravou 30 horas de orientações com sua voz | Foto: Leda Bentes

Com 43 anos, a atriz e cantora Sara Bentes, doou sua voz para deixar o processo eleitoral que acontece em outubro mais acessível. Suas cordas vocais serão protagonistas do software Letícia, sistema de leitura de tela que irá auxiliar pessoas com deficiência visual na hora de votar. De Volta Redonda (RJ), Sara Bentes nasceu com deficiência visual e agora poderá auxiliar os eleitores que, assim como ela, procuram melhor acessibilidade nas urnas.

Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), são 216 mil eleitores com deficiência visual cadastrados para votar. Ao Correio da Manhã, Sara disse que fazer parte do processo eleitoral “foi uma realização incrível”.

“É incrível saber que a atualização feita a partir da minha voz vai ser utilizada para melhorar a acessibilidade das urnas em todo o Brasil. Essa voz sintetizada foi a primeira no Brasil feita a partir da voz de uma pessoa com deficiência visual, com o intuito de ajudar outras pessoas com deficiência visual. Então, é uma realização muito grande não só para mim, mas para toda essa comunidade de pessoas com deficiência visual que buscamos sempre a representatividade e o protagonismo”.

Letícia

A cantora e atriz, gravou narrações para gerar um banco de dados de sua voz, com isso, a inteligência artificial identificou o padrão de sua fala, e criou então a Letícia, a voz sintetizada que dará as instruções básicas aos eleitores, como o cargo que está em votação, os números digitados e o nome do candidato escolhido. Foi a cantora que escolheu o nome do programa. É na verdade, seu segundo nome: ela se chama Sara Letícia Bentes.

O software, que também foi desenvolvido por programadores com deficiência visual. Atende à sugestão da Organização Nacional de Cegos do Brasil, feita em outubro de 2022 à Seção de Voto Informatizado do TSE. Para Sara, a expectativa é que as pessoas que precisam desse recurso da voz na urna eletrônica se sintam muito mais seguras ao votar.

“Eu, assim como outros eleitores com deficiência visual, precisávamos levar uma pessoa para dentro da cabine de votação. E nem sempre temos pessoas de tanta confiança ou de tanto respeito por perto, mesmo dentro da família”, disse.

Ela relembra casos de conhecidos com deficiência visual, que sem essa acessibilidade, foram induzidos a votar em um candidato da qual não queriam. “É muito triste, é muito sério, é muito grave. Então, com a acessibilidade, teremos autonomia, dignidade e privacidade”, expressou. Agora, ao votar, as pessoas que precisam desse recurso de acessibilidade poderão utilizar um fone de ouvido e assim ouvir a voz de Sara sem interferência externa.

Voz humana

Só em 2020 e em 2022, as urnas usadas nas duas últimas eleições contavam com um sintetizador de voz. Porém, a voz robótica poderia complicar a compreensão dos eleitores. O TSE afirmou que a nova voz tem “um toque mais humano”, “natural” e “inteligível”, e vai melhorar o processo eleitoral para as pessoas com deficiência visual. A Corte Eleitoral acredita que a inovação tecnológica trará um “avanço” para as eleições municipais desse ano.

Sara diz ser importante trocar uma voz robótica por uma mais humana, tanto para ficar mais entendível, quanto para dar certeza do que o eleitor está ouvindo. “É uma voz aprimorada e plenamente compreensível, aliás tem uma articulação e uma dicção como se uma pessoa estivesse ali falando”, relata a cantora.

Mundo de Sara

Sara entrou para o mundo da voz aos 14 anos. Desde muito cedo, ela sabia que queria trabalhar como atriz e cantora e foi se envolvendo nesse mundo. Hoje, Sara é cantora, compositora, atriz, escritora e artista da voz. Como artista de voz, ela trabalha com locuções e narrações.

Desde 2022, Sara também entrou no mundo da dublagem, por descrição própria “ainda com passinhos iniciantes”. Mas já trabalhou com dublagem para a Netflix, para a Disney e outras. Para ela, a voz leva a arte e, com isso, a possibilidade de ampliá-la no mundo.