Por: Ana Paula Marques

STF define: não há intervenção militar "dentro das quatro linhas"

Maioria do STF define papel constitucional das Forças Armadas | Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF

Com o voto do ministro Cristiano Zanin, computado em plenário virtual nesta terça-feira (2), o Supremo Tribunal Federal (STF) tem agora sete votos contra a tese de que a Constituição, no seu artigo 142, daria as condições para acontecer no país uma intervenção militar de forma legal. A Corte, então, formou maioria para rechaçar qualquer interpretação de que a Constituição Federal prevê para as Forças Armadas uma espécie de poder moderador que lhe permitiria interferir nas questões políticas do país.

Até o momento, nenhum ministro votou a favor da tese que chegou a movimentar alguns grupos nos últimos tempos. O julgamento continua até a próxima segunda-feira (8). A análise da Suprema Corte é em cima de uma ação apresentada pelo PDT, em 2020, que pede aos magistrados que definam os limites para a atuação dos militares. Na prática, a ação movida pelo partido buscava compreender a constitucionalidade do uso da interpretação do artigo 142 da Constituição como um dispositivo que conferia um poder moderador às Forças Armadas.

Esse trecho da Constituição foi amplamente disseminado, principalmente nos últimos anos durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como justificativa para uma eventual interferência dos militares sobre as instituições democráticas. Até agora, além de Zanin, votaram os ministros Gilmar Mendes, André Mendonça, Edson Fachin, Flávio Dino e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, que acompanharam o relator Luiz Fux, e entenderam que a Constituição não permite a suposta “moderação” dos militares.

Prerrogativa

Em seu voto, Fux defendeu que “qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”.

Segundo a advogada e coordenadora de Jurídico da BMJ, Gabriela Rosa, o que o ministro Fux entendeu na sua liminar é que a missão institucional das Forças Armadas é a defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem, o que não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “Ou seja, o relator reforça a preocupação e a importância de que as Forças Armadas sejam utilizadas somente como instrumento para garantir a democracia”

Segundo a especialista, na prática, o julgamento em si não tem um efeito concreto no mundo jurídico, já que essa interpretação, embora já alegada em manifestações e com indicação que pudesse ser usada no cunho politico, nunca foi empregada concretamente como uma fundamentação para uma eventual ação militar de cunho mais político. “O que o STF está dizendo, agora claramente, é que algo nesse sentido será considerado inconstitucional”, explica Gabriela Rosa.

Golpe

O ministro Flávio Dino, em seu voto, relembrou o golpe militar de 1964, ocorrido há exatos 60 anos, e citou “um período abominável da nossa história constitucional”, referindo-se à ditadura militar instalada no país por 21 anos. Para o ministro, “o Estado de Direito foi destroçado pelo uso ilegítimo da força naquele momento”.

Para o cientista político e advogado Melillo Dinis, a posição do STF marca também um direcionamento político e ajuda na compreensão da sociedade de que “é o poder civil que subordina o poder militar”.

“Era uma posição óbvia, literal do texto constitucional. Entretanto, algumas vezes o óbvio tem que ser explicitado para que não se repitam desvarios antidemocráticos e inconstitucionais”, relembra

É o que o ministro Gilmar Mendes defendeu ao dizer que o Supremo está “reafirmando o que deveria ser óbvio”.

“A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis”, reforçou Gilmar Mendes..

A decisão do STF pode levar a um desdobramento. Segundo o colunista do site UOL Kennedy Alencar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá apoiar uma mudança na Constituição para por fim a qualquer interpretação de que as Forças Armadas tenha esse papel moderador. Essa alteração, para dar mais clareza ao texto, é defendida por Flávio Dino.

Até mesmo quem está enraizado na força militar, reconhece. Ainda nesta terça, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, avaliou o posicionamento da Corte como “totalmente” correto ao rechaçar a possibilidade da interpretação dos militares como “poder moderador”.

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