Por: Rudolfo Lago

O labirinto que complica Nísia Trindade

Nísia e seu secretário-executivo, Swedenberger Barbosa | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em maio de 2022, o Ministério da Saúde instituiu o Quali-Sus-Cardio, o primeiro sistema que visava utilizar na avaliação da gestão pública de saúde um conceito chamado de “Value Based Healthcare”. O conceito foi originalmente proposto em 2007 por dois professores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Michael Porter e Elizabeth Teisberg. Ele estabelece como condição para os investimentos em saúde a avaliação objetiva dos benefícios para o paciente, à sua saúde e bem-estar. Na esteira de introdução do programa, houve uma redução no preço que se pagava por Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs). O programa foi revogado em agosto do ano passado por portaria assinada pelo secretário-executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa, como ministro substituto na ocasião. No primeiro governo Lula, Swedenberger foi secretário-executivo do Ministério da Casa Civil quando o ministro era José Dirceu, de quem é muito ligado. Fontes ligadas à gestão anterior avaliaram ao Correio da Manhã que a medida pode estar diretamente relacionada à crise que fustiga agora a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

Cobrada na reunião ministerial que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez na segunda-feira (18), Nísia demitiu dois de seus auxiliares no ministério: Helvécio Magalhães, que exercia a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, e o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar no Rio de Janeiro, Alexandre Telles. As demissões estão relacionadas a denúncias de precariedade no atendimento nos hospitais federais e envolvimento de apadrinhados políticos em denúncias de ineficiência, negligência e corrupção.

Os problemas podem estar relacionados a decisões como a revogação da portaria, que deixou sem critérios mais precisos os repasses. O Quali-Sus-Cardio estabelecia a avaliação para os repasses a partir dos seguintes critérios: tempo médio de permanência do paciente, em dias; taxa de mortalidade operatória em até 30 dias; taxa de reinternação em até 30 dias; percentual de alcance do parâmetro mínimo de volume, e percentual de procedimentos complexos. O programa foi implementado mediante adesão voluntária dos hospitais, mas houve a adesão de 98% deles.

Critérios

De acordo com as fontes, a revogação deixou a avaliação dos hospitais sem critérios objetivos, o que pode ter contribuído para levar à precariedade e outros problemas como superfaturamento. Na esteira do programa Quali-Sus-Cardio, houve uma mudança para reduzir os valores dos repasses para pagamento das OPMEs, levando os valores para próximo dos preços de mercado. As revogações fizeram agora subir os preços praticados para a aquisição de órteses, próteses e materiais utilizados em cardiologia, como marcapassos, cardiodesfribiladores e stents.

Um vídeo de uma reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) mostra Helvécio Magalhães defendendo que os preços repassados pelo Ministério da Saúde no governo passado seriam impraticáveis, segundo ele “uma lenda”, justificando, então, o aumento dos valores. No caso dos cardiodesfribiladores, significaria aumentar o valor repassado aos hospitais de R$ 18 mil por unidade para R$ 50 mil. “Por que são lenda se antes eram praticados?”, reage fonte ligada à gestão anterior.

Repasses

No Congresso, parlamentares reclamam que a falta de demonstração de critérios objetivos também está relacionada a repasses do Ministério da Saúde para municípios para ações de alta e média complexidade. Depois da denúncia feita pelo Correio da Manhã sobre o repasse de R$ 55 milhões no final do ano passado para o município de Cabo Frio, senadores pediram ao ministério o envio de demonstrações técnicas para o repasse. E afirmam que as informações enviadas foram insatisfatórias. O Correio também pediu ao ministério o envio de tais informações, mas não as recebeu.

O repasse para Cabo Frio foi feito de forma única em dezembro. Repasses assim são geralmente mais difíceis de justificar tecnicamente. Até porque geram distorções. Por que determinado município recebe e outros não? No caso, o repasse fazia parte da portaria GM/MS nº 2.169. A portaria destinava R$ 103 milhões para 14 municípios. Ou seja, mais da metade ficava para Cabo Frio. Para complicar a situação, exatamente um mês depois, a prefeita de Cabo Frio, Magdala Furtado, nomeou o filho de Nísia Trindade, Marcio Lima Sampaio, secretário de Cultura do município.

Dengue

Finalmente, há o problema com a gestão da dengue. O que mais incomoda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o fato de o problema estar relacionado justamente à gestão de vacinas, o mesmo problema do qual é acusado o governo Jair Bolsonaro. O Ministério da Saúde teria menosprezado a possibilidade de aumento da dengue, imaginando que ela iria seguir a sazonalidade normal que há no verão. Mas a dengue explodiu e tornou-se epidêmica, com a decretação de emergência em saúde em vários estados.

O Ministério da Saúde, porém, fez parecer que haveria vacina disponível no Sistema Único de Saúde. Mas só conseguiu adquirir quantidade suficiente para 521 municípios. Na falta de vacinas, restringiu a imunização para crianças e adolescentes. Faixa de idade que, porém, não foi se vacinar na quantidade que deveria. Ou seja, um paradoxo: não há vacina para todos, e acaba sobrando, pela falta de adesão, no público-alvo escolhido.

No meio da crise na sua pasta, Nísia Trindade pediu aposentadoria dos quadros da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A informação é do colunista Lauro Jardim, de O Globo. Como professora aposentada, Nísia receberá R$ 5,9 mil por mês.

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