Por: Ana Paula Marques

Veto a desoneração piora ambiente no Congresso

Tensão entre os poderes se intensifica com o veto à desoneração | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Por Ana Paula Marques

Na última quinta-feira (23) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o projeto que amplia o benefício da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de municípios até 2027. A decisão abriu nova crise entre os poderes, já que a pauta tinha a aprovação dos parlamentares e é de alto interesse de diversos setores empresariais.

A desoneração da folha, introduzida há 12 anos, agora só vale até dezembro deste ano. Ela substitui a contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta das empresas de 17 setores. O Senado incluiu ainda no benefício a folha previdenciária de municípios.

Ou seja, a desoneração da folha reduz encargos trabalhistas, o que, teoricamente, aumenta as contratações. Por essa razão, não apenas o empresariado como sindicatos manifestaram preocupação com o veto de lula.

Mal-estar

O episódio da aprovação pelo Senado da Proposta de Emenda á Constituição (PEC) que limita os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha deixado o clima tenso na Praça dos Três Poderes. Agora, essa tensão amplia-se com o veto presidencial.

Há um temor de que deputados e senadores abandonem os esforços para levar adiante a pauta de interesse do governo, com temas como a reforma tributária e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para unir forças no sentido de derrubar o veto de Lula. Na semana passada, já aconteceu o segundo adiamento da apreciação da LDO na Comissão Mista de Orçamento. Na verdade, a LDO já deveria ter sido aprovada no final do primeiro semestre.

O cronograma inicial da LDO estabelecia que o texto fosse apresentado até 20 de novembro e votado até o último dia 22. Porém, ainda se negociam entre os deputados mudanças na proposta, como a emenda apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), para que o contingenciamento de despesas de 2024 possibilite o crescimento real dos gastos de pelo menos 0,6%. Há ainda a discussão sobre a meta fiscal de déficit zero. Ela foi mantida pelo governo, mas há emendas que pretendem alterá-la. Uma delas do próprio vice-líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias.

Como o Correio já tinha noticiado, os parlamentares adiaram também pela segunda vez a apreciação de vetos do presidente, exatamente na espera da decisão do presidente sobre a desoneração da folha.

Arrecadação

O veto do presidente Lula segue a linha que o governo tem perseguido neste semestre: aumentar a arrecadação para conseguir cumprir a promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de manter o déficit zero para o ano que vem. Com a alíquota de volta a 20%, a arrecadação aumentaria.

O veto incomodou a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) que em nota manifestou "profunda preocupação com o veto que impõe riscos expressivos aos amplos benefícios gerados pela desoneração da folha para a economia brasileira, sobretudo em relação à geração e manutenção de empregos a partir da redução dos encargos sobre os salários".

Haddad defendeu que a desoneração da folha é inconstitucional e prometeu apresentar medidas alternativas aos segmentos afetados. Porém, o desconforto já se estabeleceu. O relator da desoneração, senador Angelo Coronel (PSD-BA), disse que o ministro da Fazenda "não está nem aí para a política".

Outras pautas que, se aprovadas, irão auxiliar o governo são as das taxações dos super-ricos e das apostas esportivas — que devem se manter como estão, só com a aprovação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal durante os próximos dias.

Tensão nos poderes

Além do veto que incomodou os parlamentares, Lula enfrenta um desconforto também na relação entre o judiciário, após a aprovação no Senado da Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que limita as decisões individuais dos ministros do STF. O entendimento é de que o Executivo poderia ter criado coalização o suficiente para barrar a PEC ainda em sua primeira fase de tramitação — agora a proposta segue para a análise da Câmara dos Deputados.

Para tentar amenizar os danos, o presidente Lula se encontrou em uma reunião de emergência com ministros do STF no Palácio do Planalto. Cobrado, ele disse que não tinha conhecimento da PEC, porém, na última quarta-feira, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, deixou temporariamente o cargo para ajudar nas votações de matérias no Senado, principalmente, na proposta que aperta os ministros. A desoneração foi assinada pelo Presidente da República.

O governo foi incluído na briga que se arrasta entre o Congresso — em especial o Senado — e o Supremo, após o líder do governo na Casa, senador Jaques Wagner (PT-BA), votar favorável à PEC.

Para o analista político, Melillo Dinis, os três poderes ainda sofrem de uma "ressaca" deixada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. "No governo Bolsonaro, tivemos mais colisão e submissão que coalizão, como busca o governo atual. Era um presidencialismo de colisão — embates entre os poderes", explica. "O Judiciário, que foi mega exigido como espaço de contenção no governo anterior, não encontrou o rumo nesta fase e teve que enfrentar o 8 de janeiro, que ainda perturba suas relações com a política".

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