As Forças Armadas passaram a ser alvo da Polícia Federal nas investigações contra os acusados por atuarem nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, em Brasília. Na última sexta-feira (29) o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes foi alvo de busca e apreensão durante a 18ª fase da Operação Lesa Pátria, que investiga quem atuou, incentivou e financiou os ataques contra os três Poderes. Ele teve o celular, passaporte e arma apreendidos. O general prestou um depoimento de três horas na sede da Polícia Federal, em Brasília, e depois foi liberado.
A operação foi expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu depoimento à polícia, Ridauto alegou que participou dos atos de oito de janeiro “como qualquer outro manifestante” e que depois deixou a Praça dos Três Poderes antes de começarem os atos de depredação.
No entanto, a declaração do militar contradiz imagens registradas no dia. Um vídeo, gravado por ele mesmo, mostra o general comentando sobre as bombas de gás lacrimogênio jogadas pela Polícia Militar do DF. "Acreditem, a PM jogou gás lacrimogêneo na multidão durante meia hora e agora eles estão aqui na frente”, falou o acusado durante o vídeo. Ao sair da PM, ele declarou a jornalistas que “não tem nada a temer” e que a ação da PF na casa dele ocorreu “de forma tranquila”.
Análise
Apesar de já estar na reserva, o general é o primeiro militar acusado de estar diretamente envolvido nos atos antidemocráticos. O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, foi preso devido ao esquema da compra e revenda de joias e também pela falsificação do cartão de vacinação contra a Covid-19. Não por tentativa de golpe de Estado.
Em entrevista ao Correio da Manhã, o cientista político Tiago Valenciano destacou que a operação pode ser interpretada como “um ponto simbólico acerca dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro”.
“É uma resposta àqueles que invadiram os diversos prédios públicos. Portanto, o recado está dado: quem atentar contra o estado democrático de Direito vai arcar com as consequências de um crime desta natureza - algo recente na política brasileira”, disse o cientista político.
Para o cientista político, o fato de militares acabarem sendo alvos da investigação não impedirá que venha a acontecer um arrefecimento da tensão política junto às Forças Armadas. Ele avalia que, como instituição, as Forças Armadas foram muitas vezes reféns da atitude de alguns dos seus indivíduos. E já teriam mesmo compreendido isso.
Também em entrevista ao Correio da Manhã, o analista político Leandro Gabiati relembrou que militares da reserva têm mais liberdade para se manifestarem politicamente.
“Uma coisa é você mexer com militares da ativa. Aí, sim, há um desdobramento político, ou há um desgaste político maior. Agora, quem está na reserva, está na reserva. Logicamente continua sendo militar, mas está na reserva. Os militares da reserva têm uma liberdade maior para opinar sobre política. Então, eu entendo que o Exército neste caso não deve sinalizar qualquer tipo de desconforto ou de preocupação”, pontuou Gabiati.
E tal como disse Leandro Gabiati, o Centro de Comunicação Social do Exército informou ao Correio da Manhã que “o General Ridauto encontra-se na reserva e não ocupa cargo ou desempenha função na Força”.
“Cabe destacar, também, que o Exército não se manifesta no transcurso de processos de investigação a cargo de outros Órgãos”, informou a assessoria do Exército, por meio de nota.
Kids pretos
Ridauto Lúcio Fernandes fazia parte de um grupo específico do Exército que ganhou o apelido de “kids pretos”. Eram uma parcela do alto escalão que se aproximou do governo de Jair Bolsonaro. São militares (de ativa ou não) que se especializam em operações especiais do Exército, com foco nas ações de sabotagem e incentivo em revoltas populares, mas que não chega a se transformar em guerra civil.
Em julho de 2021, ele foi nomeado pelo então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, como diretor de Logística do Ministério da Saúde. Foi exonerado do cargo em 31 de dezembro de 2022, com o fim do governo Bolsonaro. Durante sua atuação no Ministério da Saúde, o militar esteve envolvido na crise de falta de oxigênio nos hospitais em Manaus, no Amazonas.