Por Rudolfo Lago
A reunião durou apenas alguns minutos. Aconteceu no gabinete do secretário de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta. Inicialmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Gonçalves Dias, se afastasse somente durante o tempo que durassem as investigações sobre ele. Mas o próprio general tomou a iniciativa de pedir demissão, que foi aceita por Lula. Três meses depois do início do governo, justamente em uma das áreas mais sensíveis para o novo governo, a relação com as Forças Armadas, acontece a primeira baixa na equipe.
O estopim da crise é um vídeo divulgado na manhã desta quarta-feira pela rede de TV CNN. O vídeo é parte do que flagraram as câmeras de segurança do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro, quando vândalos invadiram e depredaram os três principais prédios da República numa tentativa de golpe de Estado. No vídeo, aparece um homem vestindo uma calça jeans, uma jaqueta azul escura e uma camiseta azul clara. Esse homem é o próprio general Gonçalves Dias. Nas imagens, ele aparece primeiro sozinho e depois conversando com alguns dos golpistas. Parece indicar a eles a saída do terceiro andar do Palácio do Planalto, que é onde fica o gabinete do presidente da República. Em outras imagens, outros integrantes do GSI também conversam e oferecem água aos manifestantes.
Durante todo o dia de ontem, governistas e oposicionistas pareciam perplexos com as imagens, buscando ilações e explicações para elas. O que Gonçalves Dias fazia no Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro? Por que parece dialogar pacificamente com os golpistas? O que faziam ali os demais integrantes do GSI? Por que, três meses depois dos atos, o governo nunca falara nada de sua presença ali?
Imagens negadas
Outros questionamentos iam surgindo ao longo do dia. Há algumas semanas, a CPI dos Atos Golpistas instalada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) pedira ao governo federal o acesso às imagens das câmeras de segurança. O acesso foi negado sob a alegação de que eram 160 horas de gravação. O presidente da CLDF afirmou que irá novamente pedir as imagens. E anunciou que irá chamar Gonçalves Dias, seu antecessor no GSI, general Augusto Heleno, e o chefe do Comando Militar do Planalto, general Henrique Dutra, para depor. Ele afirmou que, em caso de negativa ao convite, poderá pedir a convocação dos três.
Duas versões circularam na Esplanada dos Ministérios durante a quarta-feira. Na primeira delas, o Palácio do Planalto sabia da presença de Gonçalves Dias naquele dia. E, por alguma razão, não tornou esse fato público. Na segunda versão, era somente o GSI quem tinha conhecimento das imagens, que vinham sendo pedidas insistentemente por Lula e negadas sempre.
Essa segunda versão foi sustentada pelo deputado Lindbergh Farias (PT-RJ). Segundo ele, Lula vinha pedindo insistentemente as imagens, e obtinha do general Gonçalves Dias a resposta de que o sistema não estava funcionando ou de que as imagens tinham sido apagadas. Segundo Lindbergh, o general teria mentido para Lula. E isso tornara sua permanência no governo insustentável.
Ocorre, porém, que o general Gonçalves Dias era, até então, o militar mais próximo de Lula e aquele em quem ele mais tinha confiança. Gonçalves Dias tinha sido o chefe da segurança particular de Lula durante a campanha presidencial.
Toda essa situação levou oposicionistas a aumentarem a carga pela instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que aguarda deliberação do presidente do Senado e das sessões do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para ser instalada. A avaliação no Congresso era de que, diante dos novos fatos, dificilmente o governo agora evitará a instalação da CPMI. A próxima sessão do Congresso está marcada para o dia 26 de abril. Ao final do dia, o próprio vice-líder do governo na Comissão de Segurança Pública, Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), já admitia que, agora, o próprio Palácio iria mudar de posição e começar também a apoiar a investigação.
Após a divulgação do vídeo pela CNN, Rodrigo Pacheco declarou a respeito da necessidade de apuração dos fatos, ainda que não tenha claramente se comprometido com a CPI. Pacheco admitiu, porém, que havendo o número mínimo de assinaturas e preenchidos os requisitos, ele não teria como impedir a instalação.
Gonçalves Dias estava convidado a comparecer à Comissão de Segurança Pública da Câmara para falar sobre os atos golpistas. Com a divulgação do vídeo, ele alegou problemas de saúde e faltou ao depoimento. Claramente, porém, ele seria ali bombardeado pelos deputados da oposição.
"O GSI do Lula não apenas facilitou a entrada dos invasores no dia 8 de janeiro, como também os invasores receberam orientações do ministro chefe do GSI, Gonçalves Dias, escolhido por Lula. Alguma dúvida de que a CPMI do 8 de janeiro é prioridade?", escreveu nas redes sociais o deputado André Fernandes (PL-CE), autor do pedido de CPI mista.
Na avaliação de parlamentares mais experientes, o governo poderia ter evitado toda a crise caso tivesse adotado outros caminhos. Nota divulgada pelo GSI na tarde de quarta, antes da demissão de Gonçalves Dias, informava que o general estivera no Palácio do Planalto depois da chegada da Polícia Militar, já sob o comando do interventor na área de segurança, Ricardo Capelli. E atuava para ajudar na retirada dos golpistas. Se isso tivesse sido declarado logo depois do 8 de janeiro, não haveria crise alguma agora.
Outro erro apontado é que o governo deveria ter apoiado a instalação do primeiro pedido de CPI, somente no Senado, feito pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS). O próprio líder da Maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), era defensor dessa ideia. No Senado, o governo teria maior controle da apuração. Mesmo quando estava na oposição, os grupos que hoje integram o governo já tinham conseguido isso na CPI da Covid.
Agora, o governo ficará exposto muito provavelmente à Comissão Mista pedida pro André Fernandes, com muito menor possibilidade de controle e com a provável participação de deputados bem mais agressivos na oposição que fazem.