Prato de Brasília

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Aos 65 anos de idade, Brasília já pode pegar a carteirinha de idoso e ter gratuidade nas viagens de ônibus. Para os humanos, essa já é tida como a "terceira idade" ou a "melhor idade". Parecem muitos anos para uma pessoa, mas, para uma cidade, isso ainda é pouco. Para perceber essa diferença, basta fazer um exercício de imaginação: quantos pratos um sexagenário já experimentou ao longo da vida? Provavelmente, muitos. Seja por viagens ou apenas por vivências locais. Mas será que, apenas seis décadas já são o suficiente para uma população desenvolver uma cultura própria com temperos e receitas encontrados apenas naquele lugar?

Quando se pergunta qual é o prato típico de Brasília, muitas pessoas podem falar da tradicional Pizzaria Dom Bosco ou até mencionar a popular Pastelaria Viçosa. Entretanto, além de serem estabelecimentos típicos do Plano Piloto (e não considerarem a culinária das regiões administrativas), eles não são exclusividades candangas. Pizzas tem raízes egípcias e hebraicas bem mais antigas que o Império Romano, já os pastéis unem raízes chinesas e japonesas trazidas ao Brasil no início do século passado. São alimentos que ultrapassam milênios, enquanto o quadradinho não passa de um único século.

São Vicente, com 493 anos de idade, é o município mais antigo do Brasil. Um dos pratos típicos de lá (e de boa parte do litoral paulista) é o "sobre pau", composto por tainha assada sobre folhas de goiabeira verde, acompanhado por arroz, vegetais e podendo ser acrescido de camarão. O uso de peixe, frutos do mar e vegetação silvestre tem influências dos povos caiçaras, dos portugueses e também de escravizados africanos.

Se na cidade mais antiga do Brasil a culinária precisou de três culturas diferentes para criar a identidade local, imagine em uma capital tão jovem… As principais influências do Distrito Federal são os pratos vindos de Goiás e Minas, além do que os diversos migrantes dos estados do Nordeste trouxeram. No Rio de Janeiro, por exemplo, muitas pessoas desconhecem a Pamonha e, lá, também não é tão conhecido o cuscuz feito com milharina. Alimentos esses encontrados em qualquer esquina do DF. Todo brasiliense conhece alguém que ama caldo de mocotó ou que reúne a família aos domingos para comer buchada de bode. Todos foram pratos trazidos para cá e nenhum nasceu aqui. Talvez, Brasília ainda precise envelhecer mais um pouco para descobrirmos, de forma fácil, o sotaque brasiliense não somente na fala, como também na cozinha.