Brasília Implacável
Chegou a época do ano em que a cidade em formato de avião vai ao seu extremo. Brasília há de ser implacável em setembro. O ar seco, diferente do de quando fazia parte do frio de julho, passa a ser acompanhado por um calor infernal. Setembro chega e as cores mudam. Tudo o que era colorido, se torna cinza.
O céu azul, cartão postal mais famoso da cidade, agora, tem um tom acinzentado como se tivesse acabado de ser pintado em um quadro da Revolução Industrial. Olhar para o horizonte traz a compreensão de qual era o sentimento que os pintores ingleses queriam transmitir nas obras de arte daquele período do século XIX.
Há uma cor que surge: o preto fuligem. A fumaça é uma (des)querida. Além dos diversos problemas ambientais e respiratórios que causa, ela entra em todos os lugares. Nas ruas, nos carros, sobre as folhas e nas casas. Até nas roupas de cama ela faz questão de deixar sua marca. Não precisa de convite e não adianta tentar negar passagem. Ela vai entrar. Queira você ou não.
O verde dos parques e das árvores frutíferas das ruas sumiu. No caminho, os troncos retorcidos e com poucas folhas trazem de volta a lembrança das aulas de Geografia do colegial que descreviam o Cerrado desta forma. Ainda não chegou a época das mangas, dos jamelões e nem das jacas. Há apenas árvores secas.
No entanto, os Ipês surgem, um aqui e outro ali, para deixar claro que ainda existe vida. Em meio ao caos, podem ser vistas flores amarelas, roxas, brancas e rosas. As cerejeiras japonesas (Sakuras) parecem tão pequenas perto de uma árvore que não só resiste, como floresce no seu auge em meio ao deserto de setembro.
É preciso deixar claro que, por esses tempos, os ipês serão os únicos suspiros de vida porque Brasília há de ser implacável em setembro. Quem vem de fora e não está acostumado com o clima do Planalto Central, sofre. A garganta seca, o nariz sangra, a pressão cai, a cabeça dói. O que JK pensou ao construir uma metrópole neste cenário impiedoso?
Há outra cor que some neste período. Uma cor não, mas uma variedade de tons presentes nas diferentes formas em que a água se apresenta. Em córregos, rios, no Lago Paranoá e, principalmente, nos céus. Cadê a chuva? Geralmente, ela começa a vir aos pouquinhos entre o fim deste mês e o início de outubro. Mas, quando chega, limpa tudo o que sujou e traz de volta à vida o que secou. O céu cinza volta a ser azul. A fuligem é lavada já nos primeiros pingos. O verde retorna. Com a volta das chuvas, os primeiros entardeceres são tão bonitos que todo mundo esquece de quando questionou o ímpeto de JK em construir a Capital Federal no quadradinho. Entretanto, até outubro chegar, Brasília há de ser implacável em setembro.
