As lições de Al Maktoum para além do petróleo

Por Vinicius Lummertz*

Dubai não se tornou um polo global por acaso. Tornou-se por método e por visão. Em My Vision: Challenges in the Race for Excellence, publicado em 2006, o xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum descreve a "corrida pela excelência": metas claras, gestão por resultados, velocidade de execução e um Estado que funciona como plataforma. O governo, nessa lógica, não substitui o empresário; reduz incertezas, abre caminhos e coordena prioridades para que a sociedade avance na mesma direção. Ao pôr a visão por escrito, ele transforma um impulso pessoal em compromisso verificável e oferece a investidores e cidadãos de todo que quiserem vir um mapa do que está sendo construído.

Em vinte anos, a conectividade virou a espinha dorsal do modelo. O principal aeroporto de Dubai passou de 21,7 milhões de passageiros em 2004 para 92,3 milhões em 2024. A cidade tratou aviação, logística e turismo como política econômica, não como setores isolados. E manteve o impulso: projeta uma grande expansão do Al Maktoum International Airport, estimada em US$ 35 bilhões, com a ambição de chegar a 150 milhões de passageiros por ano por volta de 2032. Capacidade, aqui, não é excesso; é sinal de confiança, porque rota cria fluxo, e fluxo cria negócios.

A conectividade aérea conversa com a logística marítima e com o desenho institucional das zonas francas, que ajudam a explicar por que Dubai virou um hub mundial. A promessa é pragmática: regras simples, previsibilidade, serviços rápidos e uma governança que trata tempo como ativo econômico. Esse arranjo não cria apenas movimentação de cargas e pessoas; cria um ecossistema de serviços, seguros, finanças, eventos e comércio internacional. Um hub é, no fundo, um lugar que reduz fricção para que negócios aconteçam com menos custo e mais escala.

Por isso, turismo não aparece como enfeite. Em 2004, Dubai recebia pouco mais de 5 milhões de visitantes; em 2024, ultrapassou 18 milhões. A contribuição estimada direta do turismo gira em torno de 12% do PIB, e a indireta eco todo. O ponto, porém, é menos a estatística e mais a função: turismo vira infraestrutura de criação de riqueza. Sustenta hotelaria, gastronomia, comércio, cultura, serviços e eventos, e impõe um padrão de eficiência urbana. É o turismo de lazer, mas também o turismo de negócios, feiras e congressos, que mantém a máquina girando e dá previsibilidade de receita para a cidade. O ponto final: atrair riquezas para o deserto transformado.

Segurança é parte desse pacote. Dubai e Abu Dhabi construíram reputação de cidades seguras, e isso tem efeito econômico direto: reduz o risco percebido, alonga horizontes de investimento e aumenta o tempo de permanência do visitante. Na economia do turismo e dos serviços, segurança é ativo tão decisivo quanto conectividade e qualidade urbana. Não há destino global, nem centro logístico, que prospere com instabilidade crônica.

Há também um componente político frequentemente subestimado: a força da federação. O dinamismo de Dubai convive com a estabilidade de Abu Dhabi. Essa combinação dá escala, coordenação e sustentação institucional a uma estratégia de longo prazo, sem sufocar a agilidade. O resultado é um ambiente em que execução rápida não vira improviso e em que a ambição não se perde na troca de prioridades a cada temporada. A união dos Emirados é parte da arquitetura do sucesso porque protege a continuidade e permite acumular aprendizagem institucional.

Esse modelo virou vetor de mudança no Oriente Médio. A transformação emirática funciona como efeito de demonstração, inclusive sobre a Arábia Saudita, que acelera reformas para diversificar a economia e abrir-se ao turismo, à cultura e à tecnologia. As diferenças de contexto existem, mas a direção é semelhante: reduzir dependência do petróleo e reposicionar o país como plataforma de serviços, investimentos e experiências. O pós-petróleo, aqui é projeto de competitividade em escala regional, apoiado em reputação, conectividade e capacidade de atrair gente, capital e ideias.

É nesse quadro que os Acordos de Abraão ganham relevância. Podem ser lidos como acordos pela estabilidade, ao normalizar relações entre Israel e alguns países árabes e abrir espaço para cooperação econômica, comércio, turismo e inovação. A guerra após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023 interrompeu o impulso e recolocou a região sob tensão. Ainda assim, a lógica estrutural permanece: prosperidade duradoura exige algum grau de estabilidade e uma agenda mínima de integração. Quando prevalece a política do confronto permanente, o investimento se retrai e o futuro volta a ficar refém do passado representado pelo medievalismo do Irã.

O espelho negativo são os países onde o petróleo virou maldição. Venezuela e Líbia mostram como riqueza pode degenerar em colapso quando capturada por corrupção, ideologia, religião instrumentalizada e manipulação. Ali, o recurso financia disputa e destruição institucional. Nos Emirados, a renda do petróleo foi usada como trampolim para reputação, serviços, conectividade e transição, em vez de combustível para paralisia.

O Brasil é o oposto físico dos Emirados. Temos mar, florestas, água, energia, alimentos, cultura e biodiversidade. Mas abundância não é destino. A lição aplicável é método: transformar vocação em estratégia e estratégia em continuidade, com prioridades claras e execução. Turismo, quando tratado como sistema, obriga o básico a funcionar, cria empregos, atrai investimentos e melhora a vida urbana. O Rio de Janeiro, por exemplo, já tem marca global e ativos culturais e naturais. O que falta, com frequência, é tratar turismo e conectividade como infraestrutura econômica, com governança capaz de entregar e manter padrões, e com um calendário de eventos que sustente demanda, qualificação e serviços diante do dilema da insegurança crônica.

No fim, My Vision oferece uma lição que vai além do petróleo e do Oriente Médio: ter visão é essencial, mas torná-la explícita é o que a transforma em ativo coletivo. Quando um líder escreve e declara seu projeto, ele converte uma intenção privada em compromisso público e reduz o custo da incerteza. Trabalhadores, mesmo os imigrantes, investidores e cidadãos passam a enxergar a direção, entender como participar e cobrar coerência. Uma visão explícita e corajosa coordena expectativas, organiza energia social e vira patrimônio comum. Em desenvolvimento, essa é uma das raras vantagens que não dependem de geografia, clima ou recursos naturais: depende de coragem para dizer para onde se vai, e de disciplina para chegar lá.

*Vinicius Lummertz é senior fellow do Milken Institute. Foi Ministro do Turismo, Presidente da Embratur, Secretário Estadual de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo