Para Planalto, centrão se mexe contra investigações
Regulamentação contra devedores contumazes só tramitou após megaoperações policiais contra sonegadores
Passaram-se oito longos anos de tramitação no Congresso para, enfim, no dia 2 de setembro, o Senado regulamentar e permitir a penalização da figura do "devedor contumaz".
A regulamentação consta do projeto de novo Código de Defesa dos Contribuintes, que só ganhou fôlego na pauta do Senado após a megaoperação intitulada "Carbono Oculto", que foi deflagrada na semana anterior pela Receita, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de São Paulo.
As investigações apontaram uma organização criminosa na cadeia de importação, produção, distribuição e comercialização de combustíveis com elos em diversas empresas, algumas operadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras organizações criminosas.
Cerca de 1.000 postos de combustíveis em dez estados movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024, a maioria para lavagem de dinheiro.
Imediatamente surgiram informações de que o esquema só conseguiu funcionar graças ao envolvimento direto de autoridades e políticos poderosos do centrão.
Para afastar suspeitas, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União -AP), resolveu apressar a votação do projeto do novo Código de Defesa dos Contribuintes, regulamentando a figura do devedor contumaz.
Vigiado pela opinião pública, o poderoso centrão impulsionou a votação às pressas do texto, que foi aprovado por unanimidade e seguiu direto para a Câmara.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou a aprovação durante uma solenidade de entrega de medalhas no Palácio do Planalto. NUm recado aos congressistas, cobrou em tom premonitório que, agora, era a vez de os deputados votarem.
"Espero que não seja necessário outro evento desse tamanho para a Câmara se sensibilizar", disse Haddad. O evento a que ele se referia, e que fez o projeto ser aprovado no Senado, foi a Operação Carbono Oculto.
Coincidência ou não, foi "outro evento desse tamanho" que fez o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mover-se. Mesmo depois de ter sido aprovada a urgência do projeto, no dia 30 de outubro, Motta havia engavetado o texto sem nem designar um relator.
Nesta quinta-feira, 27, nova megaoperação da Receita, da PF e do Ministério Público de São Paulo na área de combustíveis apontou um prejuízo de R$ 26 bilhões aos cofres públicos. Os alvos foram 190 empresas direta ou indiretamente ligadas ao grupo Refit, dono da antiga refinaria de Manguinhos.
Em maio, segundo a imprensa, Hugo Motta teria participado de um jantar em Nova York oferecido pela Refit, empresa liderada pelo empresário Ricardo Magro. O grupo Refit é considerado o maior devedor de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias ou Serviços) do estado de São Paulo, o segundo maior do Rio e um dos maiores da União.
Em 2016, Magro foi um dos alvos da Operação Recomeço, da PF e do Ministério Público Federal, que investigou desvios de recursos dos fundos de pensão da Petrobras e dos Correios. Ele também foi advogado do deputado Eduardo Cunha, quando este foi afastado da presidência da Câmara dos Deputados.
A crença no Palácio do Planalto é de que a irritação do comando do Congresso tem pouca relação com desentendimentos pessoais. Teria por trás a desconfiança do centrão de que seus quadros são o grande alvo dessas megaoperações.
Afinal, Ricardo Magro nunca escondeu suas relações com políticos poderosos. E os políticos, por sua vez, também não escondem sua predileção por empresários endinheirados. É um casamento perfeito. Ou quase, porque às vezes acaba em encrenca.