O Brasil que pune o que dá certo
A reação do prefeito Topázio Neto, de Florianópolis, diante da possibilidade de que municípios estejam transferindo seus cidadãos mais vulneráveis para a capital catarinense, precisa ser analisada sob a ótica da gestão pública e da responsabilidade federativa. Com a ocorrência desta prática, não se trata de exclusão social, mas de falha de coordenação entre entes da federação. Governos locais não podem externalizar seus passivos sociais para outros municípios sem pactuação, planejamento e contrapartidas. O sucesso institucional não pode ser convertido em ônus assimétrico.
Esse debate é frequentemente distorcido por um esquerdismo populista digital que se aproveita das brechas abertas pela democracia para produzir indignação performática, sem apresentar projetos concretos de desenvolvimento. O objetivo não é formular políticas, mas explorar crises. Esse comportamento repete a diferença histórica que existiu entre os que lutaram pela redemocratização e aqueles que buscavam instaurar outro tipo de autoritarismo. Fernando Gabeira, que conhece a história por dentro, e é de fato corajoso, reconheceu que parte da esquerda da época não tinha a democracia como destino político, mas a utópica ditadura do proletariado. Essa distinção é chave para entender por que setores que deveriam defender soluções institucionais se comportam hoje como sabotadores permanentes. Lênin definia esse fenômeno como o esquerdismo, doença infantil do comunismo.
A ideologia, nesse caso, opera como religião secular. Crê na redenção pela história e na transformação social por decreto. E quando se instala, frequentemente utiliza a democracia como plataforma para o controle político, como ocorreu na Venezuela, e seu distópico é bufão socialismo bolivariano. É dessa Venezuela que milhares fogem, e é para Santa Catarina que escolhem migrar, porque oportunidades reais pesam mais do que discursos teóricos.
A crítica automática ao prefeito de Florianópolis repete o mesmo padrão aplicado ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. Pesquisas mostram que mais de 80 por cento dos moradores das comunidades fluminenses apoiam o enfrentamento ao crime organizado, mas, amesma surrada parte do debate insiste em transformar governantes que atuam contra o crime em vilões. Esse reflexo condicionado ignora dados e contextos. É análogo ao LGBTQI a favor do terrorismo do Hamas.
No caso de Florianópolis, as limitações são objetivas. Quase 60 por cento do território está em áreas de preservação ambiental, incluindo restingas, dunas, manguezais e encostas frágeis. Isso reduz a capacidade de adensamento, de mobilidade e de oferta de serviços públicos. Preservar o bioma não é escolha política, é responsabilidade legal. Da mesma forma, manter índices de segurança entre os mais altos do país é obrigação de governo.
Santa Catarina exerce um papel nacional pouco reconhecido. O estado recebeu mais de 370 mil novos moradores em 2023, liderando o saldo migratório brasileiro. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul perderam população no mesmo período. A migração espontânea indica capacidade de integração, produtividade relativa e eficiência institucional. A crítica ideológica ignora esses dados, mas o mercado e as pessoas não ignoram.
O estado enfrenta ainda forte desequilíbrio federativo. Santa Catarina contribui cerca de dez vezes mais do que recebe da União, enquanto outros estados recebem até dez vezes o que arrecadam. Mesmo assim, lidera rankings de competitividade, segurança e empregabilidade. É um caso raro no Brasil de entrega consistente de resultados apesar das estruturas federativas.
O desafio demográfico reforça a necessidade de planejamento. Segundo o IBGE, Santa Catarina ultrapassará o Rio Grande do Sul em população até 2046 e poderá superar o Paraná mais adiante. Isso pressiona infraestrutura, logística, habitação e governança metropolitana. Não há sustentabilidade possível sem pactuação entre entes federados.
A maior ironia do momento é que os desesperançados da Venezuela, país cuja trajetória ainda encontra defensores ideológicos no Brasil, escolhem Santa Catarina como destino. Escolheriam o Rio de Janeiro se fosse mais seguro. Migrações seguem oportunidades reais, não narrativas políticas. O estado que recebe centenas de milhares de pessoas em um único ano não pode ser acusado de exclusão. É, na verdade, vítima de seu próprio sucesso e da má vontade de setores que preferem o discurso ao dado.
O prefeito Topázio está correto ao apontar limites e responsabilidades. Florianópolis está correta ao exigir cooperação. Santa Catarina está correta ao defender a sustentabilidade de seu modelo. E o Brasil só amadurecerá quando superar infantilismos ideológicos e aprender com quem entrega resultados.
*Vinícius Lummertz é Senior Fellow do Milken Institute, foi ministro do Turismo e secretário de Turismo e Viagens de São Paulo.