"Um jabuti ronda a derrubada do foro" foi o título dessa coluna no dia 15 de agosto. Contava que, por traz da discussão sobre a derrubada do foro privilegiado, deputados de vários partidos tentavam pendurar na árvore de projetos do Congresso o jabuti da ampliação das prerrogativas dos parlamentares.
Ampliar para quê? Para impedir, por voto secreto, buscas e apreensões autorizadas pela justiça contra parlamentares acusados de crime comum: se o político comete um crime e a polícia precisa fazer busca e apreensão de provas em seu escritório, por exemplo, a Justiça terá que informar antecipadamente ao Congresso que irá ao local.
Algo mais ou menos assim: "Deputado, podemos ir à sua casa amanhã para ver se tem alguma prova lá de que o senhor cometeu crime?" Ou melhor: "O senhor não quer apagar as provas antes?"
A chamada PEC das Prerrogativas nem sequer tinha um texto consensual discutido entre os líderes e já interessava a boa parte dos políticos.
O ministro Flávio Dino, do STF, deixou alarmados os parlamentares ao revelar que há pelo menos 70 inquéritos e processos contra políticos em tramitação na Corte.
Por isso mesmo, nesta terça-feira, após a reunião de líderes e pouco antes da votação, o texto do jabuti apareceu rapidamente no parecer do relator, Claudio Cajado (PP-BA).
"Jabutis" é como são chamadas no Congresso aquelas propostas que aparecem e são votadas às pressas, sem uma discussão detalhada. Foi o ex-deputado Ulysses Guimarães quem deu o apelido usando o seguinte bordão: "Jabuti em cima da árvore, ou foi enchente, ou mão de gente."
O texto que apareceu restringe os critérios de inelegibilidade de parlamentares, as medidas cautelares e a prisão em flagrante, e ainda estabelece uma tramitação mais lenta dos processos contra políticos entre outros pontos. Ou seja, diminui o poder da Justiça sobre parlamentares.
Não é por acaso que a Proposta de Emenda Constitucional também ganhou o apelido de PEC da Blindagem.
O relator disse que o projeto não visa "de forma alguma" garantir privilégios aos deputados.
Mas o deputado bolsonarista Cabo Gilberto (PL-PB) deixou clara a intenção dos deputados: "impedir a chantagem a que ministros do Supremo Tribunal Federal têm submetido os parlamentares."
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que cumpria uma promessa feita antes aos colegas de "fortalecimento das prerrogativas dos parlamentares".
Hugo não citou outros interesses que que também estiveram em jogo com a votação. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), já havia declarado à coluna publicada em 15 de agosto que a aprovação pode abrir caminho ao impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes:
"Tem gente que só não vota o impeachment porque tem medo de retaliação do STF. Se aprovarmos as prerrogativas dos parlamentares o medo acaba."
O próprio Cabo Gilberto Silva revelou: "Essa votação é fruto de acordo para que nesta quarta-feira votemos a anistia". Anistia dos golpistas condenados pelo STF em cujo texto o PL pretende incluir a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Reservadamente, parlamentares do governo argumentam que houve acordo para desobstruir a pauta em troca da votação da PEC da Blindagem e da anistia, permitindo a votação da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Não está no acordo o modelo de anistia.