O Vácuo de Lideranças: O Mundo Preso ao Passado
Mesmo quando novas lideranças emergem, pontualmente em países democráticos, suas trajetórias enfrentam barreiras sistêmicas e ciclos curtos de apoio.
Vivemos um tempo em que os nomes se repetem, mas os desafios mudaram. A política global enfrenta uma escassez notável de novas lideranças com força moral, visão de futuro e legitimidade social. A razão? Muitos líderes se mantiveram no poder por décadas, impedindo a formação de sucessores reais e sufocando os canais institucionais de renovação.
Na Europa, figuras como Angela Merkel (16 anos à frente da Alemanha e, de fato, da própria União Europeia), Margaret Thatcher (11 anos no Reino Unido) e Tony Blair (10 anos) centralizaram o poder por tempo suficiente para sufocar a renovação política em seus respectivos países. Embora tenham sido líderes relevantes e transformadores em seus momentos, suas longas permanências abriram um precedente perigoso: partidos e sistemas ficaram dependentes de figuras únicas, sem construir mecanismos coletivos e sustentáveis de sucessão.
Hoje, a maioria das democracias europeias vive um ciclo de tecnocratas, coalizões frágeis e governos curtos. A França, por exemplo, viu Emmanuel Macron surgir como uma promessa de renovação, mas seu governo também enfrenta desgaste e desafios de sucessão. Na última eleição, viu seu mandato ser colocado à prova, em um típico voto francês de protesto. A Itália, ainda que experimente momento atual de destaque no Velho Continente, tem passado por 11 primeiros-ministros em apenas 20 anos, evidenciando uma instabilidade crônica e a dificuldade de construir lideranças duradouras e legítimas.
Mesmo quando novas lideranças emergem, pontualmente em países democráticos, suas trajetórias enfrentam barreiras sistêmicas e ciclos curtos de apoio, revelando que o problema não está apenas na ausência de nomes, mas na fragilidade das estruturas políticas que sustentam a renovação. Costumo desafiar amigos a dizer sem muito pensar o nome de atuais cinco líderes europeus. Algo similar ocorre com a seleção brasileira - um paralelo mais do que óbvio de que algo não está certo.
Em paralelo, autocratas como Vladimir Putin (no poder desde 1999, alternando cargos), Xi Jinping (que aboliu os limites de mandato na China em 2018) e Recep Tayyip Erdoan (mais de 20 anos no comando da Turquia, somando períodos como primeiro-ministro e presidente) consolidaram modelos de hiperconcentração de poder. Nesses regimes, a sucessão não é apenas um desafio político, mas um risco de ruptura institucional.
Nos Estados Unidos, a polarização extrema reflete também um colapso dos mecanismos naturais de renovação. Donald Trump, mesmo após deixar a presidência em seu primeiro mandato, manteve forte controle sobre o Partido Republicano, minando tentativas de surgimento de novas lideranças. No Partido Democrata, Joe Biden, com mais de 80 anos, se tornou a principal referência do partido, revelando um vácuo geracional evidente. O resultado se viu nas últimas eleições, com troca de candidato de última hora. As alternativas surgem, mas o sistema falha em criar tração real para vozes novas, mantendo o ciclo de dependência de nomes antigos.
Essa concentração de poder gera um efeito dominó global: partidos e movimentos deixam de formar quadros, a política se torna refém de personalismos, e os jovens se afastam, descrentes de que possam, de fato, construir mudanças. Mesmo onde há mobilização social, ela se dispersa fora das estruturas institucionais tradicionais, sinal de que os canais de renovação estão bloqueados ou desacreditados. A consequência direta é a fragilização dos ambientes democráticos e o fortalecimento dos extremos — seja na forma de populismos autoritários, seja no aparecimento de personagens caricatos do mundo virtual, ou na radicalização de vieses político-partidários.
Esse panorama revela uma falência estrutural na cultura política mundial: a renovação deixou de ser uma prática natural e se tornou uma exceção, quase sempre tardia e insuficiente.
O problema não é só a escassez de boas ideias — é a falta de rostos novos, vozes novas, caminhos novos. Quando a liderança se cristaliza no passado, o futuro fica suspenso. Desafios contemporâneos como as mudanças climáticas, as transições energéticas, a regulação da inteligência artificial e os desequilíbrios geopolíticos exigem uma governança preparada, aberta, diversa e capaz de pensar além das estruturas do século XX.
A maior prova de grandeza de um líder não é sua permanência no poder, mas sua disposição de formar sucessores e garantir a continuidade da missão, sem depender de sua própria figura para que as ideias avancem.
O mundo não precisa apenas de líderes carismáticos. Precisa de pessoas com coragem de deixar o palco — e abrir espaço para o novo. Só assim as sociedades podem se reconciliar com o futuro e recuperar a confiança de que, sim, é possível construir um amanhã melhor.
*Secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro