Angra III: um passo estratégico para a segurança energética e o avanço científico no Brasil

Por João Paulo Nicolini Gabriel* e Julio Lopes**

A usina nuclear de Angra III, cujas obras se arrastam desde os anos 1980, tornou-se um símbolo da falta de continuidade das políticas energéticas no Brasil. Desde 2024, o debate sobre sua retomada ganhou novo fôlego, mas enfrenta forte oposição devido aos alegados alto custo projetado para sua conclusão. Segundo estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), os consumidores podem pagar até R$ 61,5 bilhões a mais nas contas de luz ao longo de 40 anos. Além disso, a precariedade da infraestrutura viária, como a rodovia Rio-Santos, representa um obstáculo adicional, comprometendo a logística e segurança do empreendimento. No entanto, abandonar Angra III significaria um prejuízo imediato de R$ 21 bilhões sem qualquer retorno energético, além de comprometer o avanço da ciência e tecnologia nuclear no país e dificultar os esforços de descarbonização da matriz energética. O impasse reflete a ausência de um planejamento estratégico de longo prazo para a energia nuclear no Brasil, que se arrasta desde o Acordo Nuclear de 1975 com a Alemanha Ocidental.

Os desafios técnicos e financeiros da conclusão de Angra III são inegáveis, mas a alternativa de abandoná-la impõe custos ainda maiores. A conclusão da usina representa uma aposta na diversificação da matriz energética nacional, mas os obstáculos enfrentados ao longo de quatro décadas evidenciam as fragilidades de um planejamento que, inicialmente ambicioso, foi sendo redimensionado com o passar do tempo. A construção de Angra III remonta a um período de grandes expectativas para o setor nuclear brasileiro, impulsionado pelo Acordo Nuclear de 1975 com a Alemanha Ocidental. No entanto, as sucessivas paralisações, mudanças nas prioridades políticas e desafios técnicos tornaram o projeto um verdadeiro símbolo das dificuldades estruturais que marcam o desenvolvimento do setor nuclear no Brasil. Essa falta de continuidade política e estratégica resultou não apenas em atrasos e elevação de custos, mas também na incapacidade de se consolidar uma visão de longo prazo para a energia nuclear no país.

No entanto, a energia nuclear tem se consolidado como uma alternativa ambientalmente responsável, sendo reconhecida pela União Europeia desde 2022 como uma fonte de energia verde. A decisão europeia reflete uma tendência global de reavaliação do papel da energia nuclear na transição para matrizes energéticas mais sustentáveis. Isso ocorre porque as usinas nucleares emitem quantidades mínimas de CO2 em comparação às termelétricas e podem garantir segurança energética sem depender de combustíveis fósseis importados. Diferente de fontes intermitentes, como solar e eólica, a energia nuclear proporciona estabilidade ao fornecimento elétrico, evitando oscilações no suprimento de energia. Assim, a retomada de Angra III não apenas fortaleceria a matriz energética nacional, como também contribuiria para os esforços globais de descarbonização e reforçaria a posição do Brasil como um ator comprometido com soluções sustentáveis.

O programa nuclear brasileiro não pode se restringir à construção do submarino nuclear. Estudos indicam que o potencial hidrelétrico do Brasil pode se esgotar devido às mudanças climáticas, reforçando a necessidade de diversificação energética. A hidroeletricidade, por mais consolidada que seja, está cada vez mais vulnerável a longos períodos de estiagem, o que compromete a estabilidade do abastecimento elétrico. Nesse sentido, Angra III é fundamental para ampliar o papel da energia nuclear no desenvolvimento do país. O Brasil possui um potencial significativo para avançar na pesquisa e desenvolvimento nuclear, e a conclusão da usina pode ser um catalisador para o crescimento do setor.

Além da geração de eletricidade, o programa nuclear brasileiro contribui para avanços científicos em diversas áreas, como saúde e agricultura. Instituições como o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) em Minas Gerais desempenham papéis essenciais no desenvolvimento de radioisótopos para tratamentos médicos e na melhoria genética de cultivos agrícolas. A expansão da energia nuclear também impulsiona pesquisas relacionadas à medicina nuclear, aumentando a disponibilidade de radiofármacos essenciais para diagnósticos e tratamentos de doenças como o câncer.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), criada pela Lei nº 14.222/2021, garantem a regulação e segurança do setor. Essas instituições desempenham um papel fundamental para assegurar que o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil ocorra dentro de padrões internacionais de segurança e responsabilidade ambiental. A continuidade de Angra III também estimularia o desenvolvimento da indústria nuclear nacional, fortalecendo a capacidade do Brasil de dominar todas as etapas do ciclo do combustível nuclear.

Abandonar Angra III significaria um retrocesso na ciência e tecnologia do país, inviabilizando um projeto que pode impulsionar o ciclo completo do enriquecimento de urânio para fins pacíficos no Brasil. Atualmente, a conversão em hexafluoreto de urânio (UF6) ainda é feita no exterior devido à falta de demanda constante, mas a conclusão da usina aumentaria a pressão para a construção de uma unidade industrial própria, fortalecendo a independência energética do país. Essa demanda mais consistente ajudaria a viabilizar a criação de uma planta de conversão industrial, permitindo que o Brasil tenha maior autonomia sobre seu próprio ciclo do combustível nuclear.

Investir em energia nuclear pode ser caro, mas é um caminho estratégico para o futuro, reduzindo a dependência de fontes poluentes e importadas, como as termelétricas a gás, e garantindo um fornecimento energético seguro e sustentável para o Brasil. Angra III representa não apenas uma infraestrutura energética essencial, mas também um passo decisivo para consolidar a posição do Brasil como um país comprometido com a inovação e a segurança energética de longo prazo. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidido pelo ministro Alexandre Silveira e composto por diversas pastas governamentais, tem a responsabilidade de definir o futuro do projeto. A decisão, contudo, não pode se restringir a uma análise financeira de curto prazo. É necessário um compromisso estratégico que garanta o desenvolvimento sustentável da energia nuclear no Brasil, assegurando que os investimentos já realizados não sejam desperdiçados e que o país avance na diversificação de sua matriz energética com segurança e eficiência.

*Pesquisador de Pós-Doutorado no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Ciência Política pela UFMG e Université Catholique de Louvain (Bélgica).

**Deputado federal. Presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares - FPN