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Bola de Ouro, um século de atraso

O segundo lugar de Vinicius Jr. entre os finalistas da Bola de Ouro 2024 gerou uma onda de indignação que ultrapassa o questionamento técnico. Jogador do Real Madrid e um dos mais valiosos da atualidade, Vini Jr. coleciona gols, assistências e atuações brilhantes que definiram partidas importantes. Apesar disso, sua omissão na premiação reflete um possível boicote, mas também traz à tona uma pergunta perturbadora: o racismo ainda dita as regras na valorização de atletas negros e não-europeus no continente que se diz o mais desenvolvido do mundo?

A revolta em torno desse caso ganha força quando recordamos que, ao longo de sua carreira na Espanha, Vini Jr. tem sido alvo constante de racismo. Em maio de 2023, durante um jogo entre Real Madrid e Valencia, o atacante sofreu ataques racistas dos torcedores, que o chamaram de "macaco". Infelizmente, esse incidente não foi isolado. Anteriormente, em dezembro de 2022, durante um clássico contra o Atlético de Madrid, torcedores rivais entoaram cânticos racistas, reforçando um padrão que atinge o jogador desde que despontou na elite do futebol espanhol.

Em outubro de 2024, um marco inesperado se somou a essa longa lista de abusos: a polícia espanhola prendeu suspeitos de liderar uma campanha de ódio online contra o jogador, expondo uma rede organizada de intimidações e ataques racistas. Essa investigação revelou que o ódio a Vini Jr. transcende os estádios, sendo alimentado por indivíduos que se utilizam do anonimato para perpetuar o racismo. As ações do Real Madrid, ao boicotar a premiação em protesto, são um pedido contra o sistema que silencia e subestima a competência de Vinicius.

Ao analisarmos a linha do tempo desses abusos, torna-se claro que a persistência do racismo contra Vini Jr. no futebol europeu é um desafio que a Fifa e a Uefa ainda não souberam combater efetivamente. A ausência do jogador na Bola de Ouro - mesmo após sua vitória na votação popular da France Football - reflete a resistência de setores influentes do futebol a reconhecer o valor de atletas que rompem barreiras, sobretudo quando sua origem brasileira e cor de pele desafiam os padrões estabelecidos. Vini Jr. é um ícone de resistência, mas sua luta precisa de respaldo institucional.

A falta de reconhecimento de Vini Jr. é um sinal de que, para o futebol europeu, não basta ser um jogador extraordinário; é preciso atender aos critérios de europeus que se sentem superiores ao restante da população mundial ao mesmo tempo em que levantam bandeiras sobre questões progressistas. O boicote da premiação simboliza um golpe contra a inclusão no futebol e reforça uma estrutura que, ao que parece, ainda vê a diversidade racial como uma ameaça. Até quando o esporte será um campo de batalha para que jogadores negros provem seu valor?

Ao que parece, na Europa, eles ainda precisam superar questões em que os brasileiros saíram na frente desde o século passado. Há exatos 101 anos, o Vasco da Gama desafiou o elitismo do futebol brasileiro ao conquistar o Campeonato Carioca de 1923 com um time composto por atletas negros e trabalhadores humildes e, no ano seguinte, enfrentando uma tentativa de exclusão. A Associação Metropolitana de Esportes Athleticos exigiu que o Vasco excluísse 12 jogadores, alegando "padrões morais". O clube recusou, registrando e enviando o documento que ficou conhecido como "Resposta Histórica", permanecendo na liga que incluía atletas marginalizados. Esse ato pioneiro destacou a luta contra o racismo e a resistência à discriminação no futebol.