Por Isaac Jordão Sassi*
Não é do meu costume dar conselhos não solicitados a gente com mais votos do que eu. Cabe ressaltar que eu nunca concorri a cargo nenhum. Mas como observador do processo político não posso me furtar a alguns avisos que as urnas insistiram em gritar no último dia 6. O eleitor mais uma vez reiterou nas urnas que a zeladoria cotidiana da cidade, que é a face da política com a qual ele mais interage, é pouquíssimo ideológica e muito pragmática.
Quando se olha para os partidos que saíram vitoriosos das corridas municipais, um dado que salta aos olhos é o crescimento generalizado do centro. Partidos como o PSD, PP e União Brasil tiveram crescimento no número de prefeituras sem que haja grande identificação de nenhum deles com os partidos que disputam mais fortemente o campo ideológico, PT e PL. Inclusive todos os quatro foram base do governo Bolsonaro e seguem na base do governo Lula.
Ademais chama a atenção os dois primeiros colocados. O PSD de Gilberto Kassab superou a liderança histórica do MDB, mais regionalizado, e assumiu o posto de partido com maior número de prefeituras. Ambos os partidos são caracterizados por apontarem bem firmes para o centro, sem pender demasiadamente para centro-esquerda ou centro-direita, apesar do realinhamento discursivo de Kassab, que se assume de centro-direita, ao contrário de sua famosa citação "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro". O que fica exposto, claro com o dia, é que o eleitor confirma novamente aquele ditado puído: "o brasileiro vota conservador". As urnas estão aí, a verdade segue indiscutível. Resta agora discutir o que é esse conservadorismo.
O filósofo conservador britânico Michael Oakeshott colocou uma definição tão bela quanto clara: ser conservador é preferir o conhecido ao desconhecido. Mais como uma propensão do espírito do que uma escolha política. E esta preferência apareceu nas urnas mais uma vez. Os partidos que se afastam de temas distantes e abstratos tiveram mais sucesso do que aqueles que optaram por um debate ideológico e metafísico. Mesmo quando se observa os candidatos em partidos com identidades políticas mais definidas, foram bem-sucedidos aqueles que tiveram propostas ou governos mais pragmáticos, como João Campos (PSB) em Recife e Tião Bocalom (PL) em Rio Branco.
Ora o que está em disputa então não são as bordas do pensamento político, mas é exatamente o centro. O conservadorismo é um rótulo político que historicamente foi rejeitado e que nos últimos dez anos passou a ser reivindicado pela direita. Primeiramente este público, ainda sem uma expressão clara, se organizou em torno de Aécio Neves, e de 2014 para cá tem se concentrado quase sempre em torno dos candidatos de oposição ao Partido dos Trabalhadores. E é aí que a esquerda tem perdido a disputa de discursos. O conservadorismo - este que o eleitor brasileiro mostrou buscar - é o foco na manutenção do que funciona, com atenção para que as mudanças sejam sempre avanços, sem perder de vista que os retrocessos estão sempre próximos daqueles que se descuidam. E enquanto este conservadorismo for enjeitado pelas forças de centro, ele estará à disposição dos iconoclastas de ocasião.
Com a ausência de apropriação do termo, mas também da ideia de conservadorismo, a expressão vai sendo utilizada por aqueles que já perceberam sua utilidade, mas não têm preocupação com o seu conteúdo. Dessa forma, candidatos cada vez mais radicais têm se apropriado cada vez mais radicalmente de uma ideia política que é exatamente o oposto do radicalismo. Afinal de contas, como bem colocou Samuel Huntington, um reacionário e um revolucionário ambos acreditam que o presente é ruim, mas o segundo acha que o futuro será melhor, enquanto o primeiro acha que é o passado que precisa voltar.
O eleitor deu o recado. Caso a esquerda, representada principalmente pelo PT, tenha interesse em se manter como força relevante na política nacional, é necessário que escutem o que os eleitores falam nas urnas e assumam no discurso aquilo que já exercem, ou tentam exercer, na prática: o conservadorismo como forma constante de fazer política, garantindo avanços sem ameaça de retrocessos.
*Cientista Político e mestre em teoria política