Por: Marcos da Silva Couto*

Passado e futuro dos motoristas de aplicativos

Atualmente, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 12/2024, que propõe regulamentar a relação de trabalho entre empresas operadoras de aplicativos de transporte em veículos automotores e os motoristas. Uma das principais novidades desse projeto é a criação de uma nova categoria de trabalhadores, os "motoristas de aplicativo de veículo de quatro rodas". Esta categoria não se enquadra na definição clássica de autônomos, tampouco estabelece um vínculo empregatício direto com as empresas.

No entanto, é importante ressaltar que, caso o projeto seja aprovado e sancionado, sua aplicação se dará apenas para o futuro. Isso significa dizer que as relações existentes há anos entre motoristas e empresas permanecerão sem regulamentação específica. Tal lacuna legislativa tem resultado em uma avalanche de Reclamações Trabalhistas, somando aproximadamente 10.000 ações judiciais, em que os autores buscam o reconhecimento do vínculo empregatício e, por consequência, o recebimento de todas as verbas inerentes a este tipo de relação.

Recentemente, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o primeiro processo em que o tema é debatido, sendo reconhecida pelo plenário a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1.446.336. Isso implica que a decisão tomada no julgamento desse recurso afetará todos os outros processos semelhantes. No caso em questão, o vínculo de emprego entre a autora da ação e a empresa Uber foi reconhecido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), determinando o pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas.

O acórdão proferido no Recurso de Revista, que tramitou no TST, confirmou a existência dos requisitos que caracterizam o vínculo empregatício previstos nos artigos 2° e 3° da CLT, que são a onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, afastando a argumentação da Uber de ser uma empresa de tecnologia e não de transporte de passageiros, tese que já havia sido rejeitada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1).

Diante desse cenário, surge a indagação sobre o impacto da aprovação do projeto de lei complementar no julgamento do Recurso Extraordinário pelo STF. Em que pese opiniões contrárias, nos parece que a nova legislação não influenciará nas relações anteriormente estabelecidas, sendo essencial que a Corte Constitucional defina seu entendimento sobre as relações jurídicas já existentes entre motoristas de aplicativos e empresas, independentemente da aprovação da nova lei.

Isso porque, como afirmado anteriormente, a nova legislação que vier a ser aprovada pelo Congresso Nacional irá regular as relações para o futuro, não tendo qualquer efeito nas situações estabelecidas anteriormente, que não podem ficar sem uma definição quanto a existência ou não de vínculo empregatício, sob pena de se criar uma grave insegurança jurídica para todas as partes.

Vale lembrar que essa questão vem sendo discutida ao redor do mundo e vários Tribunais como na Inglaterra, Suíça, França e Alemanha, por exemplo, já se debruçaram sobre o tema.

Em síntese, a aprovação de legislação regulamentando a situação jurídica entre as partes não exclui a necessidade de uma análise pelo STF sobre a natureza das relações entre motoristas e empresas até o momento de sua edição. São questões distintas que demandam atenção e uma definição jurídica adequada.

*Procurador Federal aposentado e Advogado. E-mail: [email protected]

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