Por Cláudio Magnavita*
A jornalista Eliane Cantanhêde, de O Globo e da Globonews, tem absoluta razão ao afirmar: "O presidente é o Lula. Tudo tem limite, tudo que excede pode dar problema e há um incômodo com o excesso de espaço que a Janja vem ocupando. Ontem, quando o Lula fez aquele discurso em que ele chorou quando falou da fome, quando ele derrapou ao desqualificar a responsabilidade fiscal, ela estava ali sentada. Mas ela não é presidente do PT, ela não é líder política. Qual é o papel da primeira-dama?
Um bom exemplo de primeira-dama foi a Ruth Cardoso, que, como a Janja, tinha brilho próprio, era professora universitária, uma mulher super respeitada na área dela e cuidou da Comunidade Solidária, mas ela não tinha protagonismo, não tinha voz nas decisões políticas, se tinha, era a quatro chaves, dentro do quarto do casal.
Já incomoda, sim, porque ela vai começar a participar de reunião, já vai dar palpite e daqui a pouco ela vai dizer 'esse aqui pode ser ministro, esse não pode' e isso dá confusão".
A frase foi o suficiente para despertar a ira dos petistas e acusá-la de "machista", inclusive da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que virou a artilheira do PT. Ela atirou pedra na conceituada jornalista afirmando nas redes sociais: "Me apavora o machismo incrustado na cabeça de mulheres ditas esclarecidas, onde estereótipo dos papéis delegados a nós é o importante. Desprezível fala de Eliane Cantanhêde s/ @JanjaLula.Ter opinião e participação política é direito de TODAS nós mulheres! Sem essa de primeira-dama".
Nas críticas não há um único contraponto aos argumentos levantados por Cantanhêde. Existem só críticas pessoais ao mensageiro ignorando a mensagem. Típico para quem não possui argumentos para contrapor.
Adriana Cantanhêde está corretíssima na sua análise corajosa. A questão é que Lula foi o eleito para a Presidência da República. Janja, como a Rosângela se auto-intitula, não recebeu um único voto. O protagonismo que ocupa na República, agora de forma oficial como Coordenadora da Posse, possui uma legitimidade meramente conjugal e de militante. Na prática ela está se tornando uma "xô-presidente", capaz de se incluir até na escolha de ministros.
Quando os conselheiros de Lula resolveram levar o assunto, ouviram um seco "Se o assunto é esse, melhor nem continuar, se não, não vai terminar não", disse o ex-presidente ao Gilberto Carvalho. Como não se contrapor a influência sobre o protagonista de um regime presidencialista quase de poderes absolutos, de uma pessoa que exerce a sua influência por razões emocionais, sentimentais, apaixonadas, amorosas, conjugais e que delas se valem para ocupar um papel institucional, que tenta até alterar o horário da solenidade de posse.
Um presidente da República possui a liturgia do cargo, ingredientes que Lula conhece dos seus dois mandatos e que sempre cobrou de Jair Bolsonaro. Ser primeira-dama também se enquadra nesta liturgia. Ao virar vitrine e se colocar como personagem do mundo político e midiático, ela deve aprender a conviver com as críticas e com as rejeições que provoca, inclusive no seio do próprio partido.
"Apenas disse que uma coisa é a relação pessoal, outra é a função pública. Já imaginou o contrário? Se fosse uma mulher presidente e o marido se metendo em tudo?", justificou a jornalista Cantanhêde. Quem misturou a função pública e a pessoal foi a própria Janja.
Nada de pessoal contra a faceira moça que trouxe um ar de modernidade ao PT e ao seu quase octogenário marido. Nada contra os processos que já enfrentou na justiça por dívidas e até despejo. Eles até depõem a favor da sua honestidade e limitações como assalariados.
Na atual conjuntura, com o Brasil dividido, com o marido encostado nas cordas, o seu comportamento de protagonista atrai reflexões e comparações. Quem é seu fã que aceite críticas como a da jornalista de O Globo. Faz parte do regime democrática que acreditamos ainda viver.
*Diretor de Redação do Correio da Manhã