Cotas raciais da Uerj completam 22 anos
Ex-cotistas fazem balanço da política de ações afirmativas
Mesmo tendo ingressado dez anos depois da primeira turma, ela ainda enfrentou questionamentos. "Depois que você entra, você adquire um sentimento de pertencimento, que você merece esse lugar", disse. "Eu pensava: 'não queriam que eu estivesse aqui, mas estou, vou fazer valer'", contou. No início, a política de cotas raciais nas universidades sofreu críticas e questionamentos sobre a capacidade dos alunos. Depois, pesquisas mostraram que não havia diferença de rendimento entre os estudantes cotistas e não cotistas.
As cotas também aceleraram a redução da diferença entre pretos, pardos e brancos com ensino superior. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11,7% dos estudantes pretos e 12,3% dos pardos tinham nível superior, em 2022. As taxas cresceram, mas ainda são menos da metade da observada entre pessoas brancas, 25,8%.
Maiara cursou quatro anos de odontologia, curso com dedicação integral, com o apoio da mãe, cuidadora de idosos. Ela afirmou que o ingresso na Uerj transformou sua forma de ver o mundo e moldou sua atuação profissional. Depois de ter atendido no sistema prisional e na rede básica de saúde, a dentista montou um consultório, na Penha, onde se criou.
"Eu acho que, de certa forma, estou devolvendo para minha comunidade essa oportunidade", disse. "E a gente encontra pessoas muito à vontade com uma doutora que é negra, que é do bairro e que não faz julgamentos", afirmou Maiara.
Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ao contrário das federais, a política de ingresso para cotistas negros cruza os dados de autodeclaração racial com os socioecônomicos. A intenção é permitir que pessoas de camadas sociais menos favorecidas acessem o ensino superior. Por esse modelo, 32 mil estudantes ingressaram na instituição.
Com o passar dos anos, no entanto, os estudantes avaliam que o recorte socioeconômico é uma barreira que precisa ser derrubada. Hoje, o corte é R$ 2.277 de renda bruta por pessoa na família e é considerado um valor muito baixo, sobretudo, para cursos de pós-graduação.
Também oriundo de um pré-vestibular popular, David Gomes ingressou por cotas, em história, na Uerj, em 2011. Ele disse que, para um aluno de escola pública, morador do Complexo da Penha - região onde uma operação policial deixou 122 mortos em outubro -, a oportunidade significou uma perspectiva de vida.
"O estudo me fez trilhar uma trajetória acadêmica e profissional que significou outras oportunidades", destacou o ex-cotista.