Startup brasileira desenvolve tecnologia que mapeia o sistema digestivo sem radiação

Paix Medical, apoiada pelo Pipe-Fapesp, desenvolve tecnologia inédita que busca democratizar exames do sistema digestivo com procedimento acessível

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Proposta da tecnologia é oferecer uma alternativa complementar para ampliar o acesso ao diagnóstico

Pesquisadores brasileiros estão desenvolvendo uma tecnologia capaz de mapear em tempo real o funcionamento do sistema digestivo de pacientes por meio de um simples comprimido magnético, sem o uso de radiação ou equipamentos hospitalares complexos. A solução é desenvolvida pela startup Paix Medical, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da Fapesp, e tem potencial para atingir mercados internacionais.

O princípio do sistema é semelhante à medicina nuclear: o paciente ingere um marcador, monitorado por sensores magnéticos externos. Diferente dos exames tradicionais, o marcador não é radioativo, é atóxico e é eliminado naturalmente pelo organismo. O procedimento permite avaliar parâmetros como esvaziamento gástrico, motilidade intestinal e tempo de trânsito do marcador pelo trato gastrointestinal.

Segundo Caio Quini, físico médico e cofundador da Paix Medical, a tecnologia foi desenvolvida para ampliar o acesso ao diagnóstico em consultórios comuns. “É uma ferramenta complementar que pode estar no consultório. Se há alguma suspeita que precisa ser investigada, é possível realizar o exame ali mesmo, sem agendamento ou preparo especial do paciente”, afirma.

A ideia surgiu quando Quini e o físico Fabiano Paixão atuavam juntos em laboratórios de pesquisa, desenvolvendo sensores e marcadores magnéticos para estudos acadêmicos. Eles perceberam que a tecnologia, além de auxiliar pesquisas, poderia ser útil em consultórios e hospitais. “Durante mestrado, doutorado e pós-doutorado, desenvolvemos sensores e marcadores magnéticos. Em determinado momento pensamos: se ajudam nossas pesquisas, podem ser extremamente úteis para a clínica”, diz Quini.

A rapidez do exame também se destaca. Do esôfago ao estômago, a passagem do marcador é praticamente instantânea, enquanto o tempo de esvaziamento gástrico e trânsito intestinal varia entre indivíduos. “Se o marcador permanece tempo demais no estômago, pode indicar retardo no esvaziamento. Se passa muito rápido pelo intestino, sugere alterações na motilidade. São informações valiosas para o diagnóstico”, explica o pesquisador.

Distúrbios funcionais do trato gastrointestinal afetam cerca de 40% da população mundial, segundo a Organização Mundial de Gastroenterologia. No Brasil, estudos indicam que até 35% da população apresenta sintomas gastrointestinais funcionais, muitos ainda sem diagnóstico devido à dificuldade de acesso a exames especializados.

A tecnologia da Paix Medical não substitui equipamentos hospitalares já estabelecidos, mas oferece uma alternativa complementar. Exames como ressonância magnética e tomografia permanecem essenciais para casos complexos, mas exigem estrutura hospitalar específica. A medicina magnética, por outro lado, pode ser aplicada em ambientes clínicos convencionais, aumentando a acessibilidade.

O impacto social da tecnologia é destacado pelos próprios fundadores. Atualmente, a distribuição de equipamentos de diagnóstico por imagem no Brasil é concentrada nas regiões Sul e Sudeste, enquanto muitas áreas enfrentam acesso limitado. A solução da startup permite que comunidades distantes realizem exames de forma local, contribuindo para a equidade em saúde.

O custo é outro diferencial. Mesmo em fase de protótipo, a tecnologia se mostra mais acessível que métodos tradicionais. “Quando produzirmos em escala, o preço será ainda menor”, projeta Quini. Por exemplo, um exame de ressonância pode custar entre R$ 800 e R$ 2.500, enquanto estudos de esvaziamento gástrico por medicina nuclear variam de R$ 600 a R$ 1.500.

O desenvolvimento do sistema enfrentou desafios, incluindo atrasos durante a pandemia de COVID-19. A transição do ambiente acadêmico, que aceita soluções parciais, para o universo corporativo, que exige produtos finalizados e robustos, exigiu ajustes técnicos e regulamentares. Atualmente, a Paix Medical realiza testes de validação em modelos animais e humanos, com estudos clínicos liderados pela cirurgiã Beatriz Turquiai Luca Blasio em parceria com centros internacionais.

A versatilidade da tecnologia permite explorar aplicações além do trato gastrointestinal, incluindo monitoramento de fluxo sanguíneo, perfusão renal e cerebral, por meio de nanopartículas magnéticas adaptadas a diferentes necessidades clínicas. Os pesquisadores já estudam a possibilidade de transformar o sistema em uma plataforma diagnóstica multiaplicável.

O sucesso do projeto é atribuído à formação interdisciplinar da equipe: Quini combina física médica, biologia e processamento de sinais e imagens, enquanto Paixão atua no desenvolvimento de circuitos eletrônicos e instrumentação médica. Essa complementaridade permitiu projetar sensores voltados para necessidades fisiológicas específicas.

A Paix Medical já possui patente da tecnologia, garantindo exclusividade no formato desenvolvido. Para os fundadores, a iniciativa representa um exemplo do potencial da pesquisa acadêmica brasileira em gerar soluções inovadoras, com impacto social e internacional. “É gratificante que anos de pesquisa acadêmica se transformem em algo que pode realmente ajudar as pessoas. Poder fazer isso no Brasil mostra o potencial que temos quando há investimento em ciência e inovação”, afirma Quini.