Sífilis avança no Brasil e preocupa gestantes no Nordeste
Região concentra mais de 21% dos casos e enfrenta desafios no pré-natal
Dados do Ministério da Saúde divulgados em outubro deste ano revelam que a sífilis segue em crescimento acelerado no Brasil, acompanhando uma tendência observada em diversos países. O avanço da doença preocupa especialmente entre gestantes e recém-nascidos, evidenciando falhas persistentes no diagnóstico e no tratamento durante o pré-natal. Entre 2005 e junho de 2025, foram registrados no país 810.246 casos de sífilis em gestantes.
A Região Nordeste concentra 21,1% desse total, ficando atrás apenas do Sudeste, que responde por 45,7% dos diagnósticos. Em seguida aparecem as regiões Sul (14,4%), Norte (10,2%) e Centro-Oeste (8,6%). Os números reforçam o impacto da doença no Nordeste, onde desigualdades sociais, dificuldades de acesso aos serviços de saúde e falhas no acompanhamento pré-natal agravam o cenário.
Em 2024, a taxa nacional de detecção da sífilis em gestantes chegou a 35,4 casos por mil nascidos vivos, indicando aumento da transmissão vertical — quando a infecção é passada da mãe para o bebê. Esse tipo de transmissão pode resultar em aborto, natimortalidade, parto prematuro e sequelas graves nos recém-nascidos.
Segundo a ginecologista Helaine Maria Besteti Pires Mayer Milanez, integrante da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, o controle da sífilis congênita é um desafio enfrentado pelo país desde a década de 1980. "Ainda não conseguimos reduzir de forma consistente esses números ao longo dos anos", afirmou.
Apesar de ser uma infecção de fácil diagnóstico, rastreamento simples e tratamento de baixo custo, a sífilis segue avançando. Um dos principais entraves está no subdiagnóstico e na interpretação inadequada dos exames realizados no pré-natal. O teste mais utilizado no Brasil é o VDRL, que indica infecção ativa e permite acompanhar a resposta ao tratamento. No entanto, quando o teste treponêmico aparece positivo e o não treponêmico negativo, muitos profissionais interpretam o resultado como infecção antiga, deixando de tratar a gestante.
Outro problema recorrente é a falta de tratamento do parceiro sexual. Sem o cuidado simultâneo, ocorre reinfecção da gestante, mantendo o risco de transmissão para o feto. A combinação entre falhas no diagnóstico, ausência de tratamento da parceria sexual e baixa valorização dos exames laboratoriais contribui diretamente para os casos de sífilis congênita.
A médica destaca que mais de 80% das gestantes infectadas não apresentam sintomas durante a gravidez. A forma latente da doença dificulta a identificação clínica, tornando os exames laboratoriais indispensáveis. Entre os homens, a situação é semelhante, com alta prevalência de casos assintomáticos, o que favorece a disseminação silenciosa da infecção.
Atualmente, os grupos com maior incidência de sífilis no Brasil incluem jovens entre 15 e 25 anos e pessoas da terceira idade. Entre os mais jovens, a redução do medo em relação às infecções sexualmente transmissíveis e o abandono do uso de preservativos contribuem para o aumento dos casos. Já entre os idosos, o prolongamento da vida sexual ativa e a ausência do risco de gravidez favorecem práticas desprotegidas.
Com a proximidade do Carnaval, período marcado por maior exposição a relações sexuais ocasionais, especialistas alertam para o risco de novos casos, especialmente no Nordeste, onde as festas atraem grandes fluxos de pessoas. "O abandono dos métodos de barreira tem impulsionado o crescimento das infecções sexualmente transmissíveis", reforçou a médica.
Sem tratamento adequado, a sífilis pode evoluir para fases mais graves, com manifestações cutâneas, neurológicas e alto risco de transmissão fetal. Em gestantes com sífilis recente, a chance de infecção do feto pode chegar a 100%, tornando o diagnóstico precoce e o tratamento imediato medidas essenciais para conter o avanço da doença na região.
