Por Rudolfo Lago*
No início do segundo turno das eleições de 2022, a pesquisadora do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ivana Bentes apontava, em uma entrevista para o canal My News, como parecia ter se invertido o tom da campanha.
Naquele momento, era Luiz Inácio Lula da Silva quem partia para uma utilização mais agressiva das redes sociais e outros meios. Foi o momento em que o deputado André Janones (Avante-MG) entrou de forma mais incisiva na estratégia. Bolsonaro perdeu as eleições. Mas isso deixava claro que era ele quem ditava o tom da campanha. Se Lula ficava mais agressivo, era porque Bolsonaro tinha estabelecido que seria assim. O mesmo parece acontecer agora em São Paulo.
As pesquisas apontam que Pablo Marçal (PRTB) vem caindo e não deverá passar para o segundo turno. Mas, independentemente disso, é ele quem vem ditando o tom da campanha. Os momentos em que seus adversários se tornam agressivos são calculados por ele.
Talvez seja mesmo o caso de se questionar se em algum momento Marçal esperava mesmo vir a ser prefeito. Ou se sua intenção era tão somente ganhar o destaque que ganhou. Até por interesses não políticos, como, aliás, denunciou algumas vezes Tabata Amaral (PSB).
Quando Marçal chegou atrasado no protesto de 7 de setembro na Avenida Paulista, foi calculado. Quando provocou José Luiz Datena (PSDB) no debate da TV Cultura, foi calculado. Quando se recusou a seguir as regras do debate do Flow, foi calculado. Ele sabia que desestabilizava com isso seus antagonistas. Certamente não poderia prever que levaria uma cadeirada. Mas sabia que de alguma forma Datena reagiria.
Marçal claramente é um forte seguidor do que sugeriu o cientista político italiano Giuliano Da Empoli em seu livro Os engenheiros do caos, que mostra como funciona a estratégia de confusão deliberada nas redes.
A ideia é destruir a racionalidade. Trazer totalmente a escolha para o campo emocional. No pior tipo de propaganda possível. Mesmo se no final acontecer a derrota de Marçal, essa derrota acabará acontecendo no campo do "engenheiro do caos" que ele é.. Foi assim em 2022, vem sendo assim agora em São Paulo.
Quando Datena reagiu dando uma cadeirada em Marçal, isso produziu um efeito reverso na campanha de Marçal. Datena teve uma subida, mas a partir da estratégia e do uso das armas de Marçal. Datena foi agressivo porque Marçal tinha sido agressivo antes.
Quando Tabata Amaral define com palavrões as consequências do soco que o assessor de Marçal desferiu no marqueteiro do prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, no debate do Flow, ela repetia a estratégia de Marçal, que em vários momentos usou palavrões nos debates.
O final desse processo, vença quem for o vencedor, é um total rebaixamento do debate político. É um impressionante caso em que a tecnologia dos tempos modernos, a tecnologia das redes sociais, produz trogloditas.
Então, a cadeira vira arma. O soco abre seis pontos no supercílio do adversário.
Parece uma inversão da famosa cena de "2001, uma odisseia no espaço", quando o homem das cavernas lança para o ar o osso que vira a primeira ferramenta capaz de ampliar a sua força, e ela, lançada no ar, vira uma espaçonave voando tranquila pelo espaço. A evolução da humanidade, na visão de Stanley Kubrik e de Arthur C. Clarke, teria feito a violência primitiva virar paz e ciência.
Na vida real, porém, é a espaçonave que vai virando o osso.
*Chefe da redação do Correio da Manhã em Brasília. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.