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Verdadeiro Embate

Deveríamos passar a avaliar aquilo que é essencial | Foto: Divulgação/ Lara Jameson

Por Márcio Coimbra*

O debate político polarizado tornou-se parte do cotidiano dos brasileiros. Embates entre aqueles que se identificam com a esquerda e outros com a direita, potencializados pela disputa entre Bolsonaro e Lula, passaram a definir amizades, convivência em família e até posições de emprego. Perturbados pela obediência cega aos líderes que pautam o debate nacional, a maioria se esquece que a disputa entre esquerda e direita passa longe daquilo que realmente pauta o real desafio político do mundo na atualidade.

Estamos falando de duas frentes. De um lado estão as autocracias, regimes autoritários e totalitários e de outro situam-se as democracias. Em ambos existem vértices da direita e da esquerda, sendo ineficaz nos dias de hoje classificar-se desta forma simplista, uma vez que a direita autocrática dialoga sem rodeios com a esquerda autoritária e ambos estão muito longe da direita e da esquerda liberais. Em resumo, estar na direita ou na esquerda não faz com que alguém seja necessariamente um partidário da democracia.

Esta lógica já foi explicada por David Nolan em 1969. Seu diagrama é traçado com base em dois eixos centrais: liberdade econômica e liberdade individual. O gráfico também é dividido em cinco tendências políticas: direita, esquerda, centro, liberal e totalitário. Ali conseguimos perceber, por exemplo, que regimes autocráticos de direita estão muito mais próximos dos autoritários de esquerda do que da direita liberal. Ao mesmo tempo, vemos que estes estão muito mais próximos da esquerda liberal do que se imagina. A concepção do diagrama é didática, simples e objetiva.

Diante disso podemos enxergar com mais clareza o jogo geopolítico que se impôs no tabuleiro atual. Estamos diante de um alinhamento entre autocracias e autoritários de um lado, sejam de esquerda ou direita, da mesma forma que do outro lado há um grupo coeso de democracias que incluem governos de esquerda e direita. Isso explica por que reduzir a divisão entre dois polos tradicionais pode gerar confusão e erros de avaliação que turvam a leitura política de muitos brasileiros.

Esta lógica explica a aproximação do Brasil com a Rússia de Putin, seja em um governo com viés de direita, assim como de esquerda, ou seja, com Bolsonaro e Lula. O mesmo raciocínio explica o fascínio da nova direita brasileira com Viktor Orbán na Hungria e Nayib Bukele em El Salvador, assim como nossa esquerda se encanta com a China de Xi Jinping e alivia a pressão sobre Cuba, Nicarágua e Venezuela, dirigidas pelos ditadores Miguel Díaz-Canel, Daniel Ortega e Nicolás Maduro.

Fato é que falta de alinhamento do Brasil com países democráticos é a principal perda de nossa nação em tempos recentes. Seja pelo caminho da esquerda ou da direita, o resultado tem sido o mesmo, ou seja, aproximação com autocracias, teocracias, regimes autoritários e até mesmo totalitários. Algo que se traduz em uma lástima para um país que se enxerga como uma democracia.

O verdadeiro embate atual está posto com base em nações que possuem compromissos democráticos e aquelas que decidiram seguir o caminho das autocracias. Em ambos, veremos nomes da esquerda e da direita. Deveríamos parar de nos preocupar com o acessório e passar a avaliar aquilo que é essencial.

*Presidente do Instituto Monitor da Democracia e Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal

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