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O ocaso da Baía de Sepetiba

Baía de Sepetiba precisa ser olhada com carinho | Foto: Guilherme B Alves/ Wikimedia Commons

Por Emanuel Alencar*

Todos os anos, dezenas de milhares de aves migratórias escolhem Sepetiba para repousarem, antes de prosseguirem uma viagem fascinante e incrível - muitas vezes do Canadá ao Sul da Argentina. Sim, a Baía de Sepetiba, na Zona Oeste do Rio é a capital das aves migratórias do Sudeste: os pesquisadores desconhecem uma concentração tão relevante de batuíras e maçaricos na região. Mas é também, distante dos olhares das gestões públicas, um território relegado ao fim da fila das prioridades em saneamento, moradia e urbanização. O ocaso de Sepetiba se expressa na total ausência de balneabilidade de suas praias - são seis aferidas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) - há 12 anos.

Sepetiba, grosso modo, está no meio do caminho de dois modelos de desenvolvimentos diferentes, expressos pelas baías de Guanabara - com gravíssimos problemas socioambientais - e da Ilha Grande, esta com condições ainda ótimas. Os ágeis botos-cinza (Sotalia guianensis) dão pistas sobre o futuro. Espécie estampada na bandeira do Rio, é um indicador da saúde de ecossistemas. E as notícias não são tão animadores entre os cerca de 1.300 cetáceos da espécie em Sepetiba.

"É uma população que vem sofrendo com essa avalanche de novos empreendimentos no entorno de Sepetiba principalmente nos últimos 8 anos. Morrem muitos, ano a ano. Essa falta de controle vem mudando a configuração da pesca. Os pescadores, então, começam a usar as mesmas áreas do boto. Isso traz problemas. Você encontra (nos botos) concentrações altas de pesticidas, de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), derivados de petróleo", alerta José Laílson Júnior, coordenador do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua), da Faculdade de Oceanografia da Uerj. "Sepetiba se encaminha a passos largos para o modelo predatório da Baía de Guanabara".

A concessionária Zona Oeste Mais Saneamento, responsável pelas redes de esgoto em 24 bairros da capital cujas águas drenam para a Baía de Sepetiba, afirma que o índice de coleta de esgotos saltou de 5% para 60% desde 2012, principalmente por conta do funcionamento das estações de tratamento de Santa Cruz e Deodoro. A questão é que a concessionária até pode cumprir suas metas - e é preciso cobrar sempre avanços mais rápidos -, que ainda assim a Baía de Sepetiba enfrentará problemas. Solução virá sempre em bloco: são 15 os municípios envolvidos (Mangaratiba, Itaguaí, Japeri, Queimados, Paracambi e Seropédica integralmente), e 60% da população está fora da capital. Um território complexo, que ainda guarda uma oportunidade de uma reversão de rumos. Sepetiba segue por um caminho que irá dimamitar o seu rico capital ecológico e humano, que deve ser urgentemente freado.

A contaminação e a poluição dos cursos d'água causadas por efluentes domésticos e industriais apontam para uma forte tendência de crescimento populacional da região - em sua bacia de 1.900 km² vivem mais de 2,5 milhões de habitantes -, com processos acelerados de uso e ocupação desordenada do solo. O tratamento de esgotos nos municípios da Bacia do Rio Guandu, que abastece mais de 9 milhões de pessoas na metrópole e deságua em Sepetiba, é praticamente nulo. Instalação de Unidades de Tratamento de Rios (UTRs) são paliativos que não atacam os efeitos, parcialmente, mas jamais as causas dos problemas.

Para cumprirem seus ciclos de vida, as aves que usam Sepetiba como parada de descanso precisam migrar. Sincronizam toda a viagem com uma precisão incrível. Se não chegar a um ponto em um momento dado, não conseguem sobreviver. Muitas vêm do Canadá, param em Sepetiba por até nove meses, onde ficam se alimentando antes de seguirem viagem ao Ártico, já no verão. Essas pequenas aves cumprem, com poesia, o desafio mais dramático de toda Sepetiba: se a baía passar do ponto de "não-retorno", não conseguirá se manter viva, importante e biodiversa. As empresas do entorno da baía têm que investir mais em controle ambiental. O polo industrial tem que existir, mas a pesca também. O futuro da metrópole passa por Sepetiba.

*Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental

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