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Brizola, Pelotas e os figos

Por Henrique Medeiros Pires

Cresci ouvindo o nome de Leonel Brizola pronunciado em sussurros — como se fosse nome feio — proibido de ser citado nos pátios das casas, nos colégios, nas ruas...

Não entendia muito bem o silêncio imposto. De vez em quando alguém ao longe gritava "Viva Brizola" e criava tumulto no Colégio.

Custei a saber as razões e tão logo veio a Campanha da Anistia, que teve êxito. Ele retornou do exílio e eu tratei de ir a todos os comícios nos quais ele participou em Pelotas desde então.

Achava sensacional sua oratória e seu magnetismo pessoal, elevando coisas simples e conferindo a palavras comuns um tom forte e solene.

Do primeiro que assisti, na Praça Coronel Pedro Osório, guardo o depoimento público da impressão que a cidade imprimiu nele na primeira vez que esteve por lá. Contou ele que, naquele mesmo lugar, na década de 50 - ele jovem iniciante nas lides partidárias - ficou impressionado com multidão de trabalhadores que encheu aquela praça para participar do comício.

Ficou impactado com a elegância dos trajes das pessoas e comentou com um veterano político:

"Que coisa, o pessoal sai do trabalho, vai em casa e se arruma pra vir pro comício!".

E o velho e experiente petebista corrigiu:

"Meu filho, todos os que estão aqui saíram do local do trabalho direto para cá. Os comerciários, bancários, escriturários e demais trabalhadores de Pelotas usam gravata no trabalho".

Brizola contou então que ficou encantado com aquela situação. Segundo ele, única no estado. Era coisa de Pelotas.

Isso contado em meio ao comício, permeado com ataques ao governo federal, "as perdas internacionais", ia magnetizando e levava o povo ao delírio.

Muitos anos depois, no mesmo lugar, ouvi outro pronunciamento marcante do Dr. Leonel.

Já fazia uns quantos anos do desastre na Usina Nuclear de Chernobil. Fruto de uma negociação internacional, na mesma época veio para o Brasil uma grande carga de "carne russa" e, em função do vazamento radioativo, todas aquelas toneladas de carne ficaram estocadas até a verificação de sua possibilidade ou não para consumo.

Nos dias que antecederam ao novo comício do Dr. Brizola, uma expressiva carga congelada e armazenada há muitos anos em Pelotas foi liberada para consumo, sob protesto de ambientalistas, ativistas e pecuaristas, esses pelo impacto que aquela carne antiga poderia causar no mercado, desequilibrando o setor primário gaúcho.

Eis que Brizola, microfone na mão, com sua retórica bem calibrada, vai falando e falando e leva o povo ao êxtase.

Falou das perdas, criticou a política externa do governo, citou organismos internacionais "diabólicos" e, como de hábito, fechou com chave de ouro.

"E vocês, meus amigos de Pelotas! Tendo que comer esse gado russo morto faz 20 anos! Esse governo está fazendo vocês comerem churrasco de múmia! Vocês estão churrasqueando múmia!"

Desnecessário dizer que a gritaria foi generalizada, risadas e aplausos como se um golaço tivesse sido feito numa partida de futebol.

Na outra e última ocasião que o vi, no mesmo lugar, anos depois, por coincidência, posicionei-me ao lado de uma senhora de família tradicional, a qual havia ocupado durante algum tempo a mídia nacional, por conta de um suposto namoro com o já viúvo Dr. Brizola.

Este, já naqueles dias passados, tinha uma companheira no Rio de Janeiro, sobre a qual a maioria das pessoas só ouviu falar após seu falecimento.

Como Brizola era discretíssimo em relação à sua vida pessoal, a senhora pelotense julgara que ele estivesse disponível e foi à carga. Tudo começou numa cerimônia militar em Osório, quando ambos conversaram e o Dr. Leonel foi galante, gentil e atencioso com a dama.

Em meio à sobremesa que estava sendo servida, contou a ela que ele gostava mesmo era de comer figos em calda.

Lembrou de uns que comeu em Pelotas, inesquecíveis.

Na despedida, trocaram cartões e ele beijou a mão da cidadã e disse: quando fores ao Rio de Janeiro, me procura.

Foi Vapt-Vupt.

Na outra semana ela apanha um avião e na bagagem carrega: duas cremeiras, duas colheres de sobremesa, uma colher para servir, dois guardanapos de linho, uma toalha de mesa branca e um pote de vidro com figos em calda. Quando Brizola abre a porta do apartamento, ela imediatamente diz que sentiu uma irrefreável vontade de comer figos com ele, monta o piquenique na mesa mais próxima, serve o anfitrião, que atordoado, come uns figuinhos e mais ouve do que fala.

Ela se despede, vai embora e dois ou três dias depois os jornais estampam a foto da "gaúcha que conquistou o coração do Dr. Brizola"! "A namorada de Brizola", disseram outros...

Foi uma confusão. Começou com a companheira do Dr. Leonel, compreensivelmente furiosa.

Mas como a história era boa, envolvia gente de respeito, tradicional, os jornais, rádios e televisões continuaram repercutindo o tal namoro.

Até que Brizola, que evitava o assunto, não se conteve e em meio a uma entrevista, quando perguntado sobre o romance, disse simplesmente "aquilo é uma louca!".

E encerrou o assunto.

Já fazia um bom tempo que não se falava mais no episódio, superado, e eis que ele retorna a Pelotas para aquele que foi seu derradeiro comício na Praça.

E, como disse, posicionei-me ao lado da senhora dos figos.

Elegantemente vestida com um tailleur vermelho impecavelmente cortado, penteada para uma grande ocasião, com um fino sapato de salto alto, não conseguiu se aproximar e chegar perto do ex-governador.

Terminados os pronunciamentos, dispersada a multidão, saímos juntos, na mesma direção, pelo outro lado da Praça.

Quando estávamos em frente ao Grande Hotel, vimos um automóvel estacionado em sentido oblíquo, dando marcha à ré e, pela janela do carona, vimos o Dr. Brizola, que por ironia do destino ficou cara a cara conosco.

Fez parar o carro, abriu todo o vidro, sorriu para a senhora que, sem dizer uma palavra, abriu uma bolsa igualmente elegante, tirou um envelopinho e colocou na mão do Dr. Leonel, sem dar uma palavra. Este sorriu, abanou (um famoso adeusinho) e seguiu em frente.

Ela, que minutos antes parecia extremamente decepcionada, revelou-se satisfeitíssima.

Não me contive, afinal assisti tudo, pedi desculpas pela intromissão e perguntei o que havia naquele envelope pequeno.

Ela não se fez de rogada e revelou. É só um bilhetinho. Diz assim:

"Atribuo tuas declarações a um momento isolado de bagualice. Prefiro guardar na lembrança o gentleman que comigo dividiu aqueles figos".

Coisas de Pelotas!

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