Por Luciana De Lamare*
Você provavelmente já deve ter ouvido frases do tipo "O turismo no Brasil tem enorme potencial" ou algo do tipo "é o novo petróleo". O turismo é, de fato, um setor promissor para nós, brasileiros, que pouco sabemos o que é o over tourism (excesso) ou o famoso "turismo de massa". Isso se deve ao fato do país nunca ter entrado no hall dos países mais visitados do mundo, nem de longe, um dos mais visitados do continente americano.
Ao longo de 20 anos trabalhando no setor, dos quais mais da metade dedicados ao setor privado, percebi que o turismo precisa de uma verdadeira revolução para atingir seu potencial transformador. E essa revolução é daquelas revoluções do bem.
Em primeiro lugar, precisamos desmistificar a ideia de separação que permeia nossa realidade contemporânea. Daniel Christian Wahl, descreve em seu livro "Design de Culturas Regenerativas" um "hábito patológico" que nos separa da experiência e compreensão de nós, humanos, da natureza. Essa premissa nos colocaria em permanente estado de escassez e vantagem competitiva, o que hoje se reflete em atividades predatórias, de todos os recursos maravilhosos que o nosso planeta dispõe para garantir, não só a abundância da nossa geração, mas das próximas. Os sintomas do mal estar são óbvios e a saúde mental é cada vez mais discutida como prioridade de agenda. Precisamos nos reconectar.
Esses recursos não se limitam aos naturais, mas àqueles que dizem respeito à nossa humanidade propriamente dita. Aquilo que nos distingue e que nos iguala, enquanto seres terrestres, enquanto responsáveis pelo nosso bem estar, na mesma medida que somos responsáveis pelo bem estar de tudo que está em nosso entorno.
E como isso tudo se relaciona com o turismo? O turismo é um setor econômico que está associado a uma transação de produtos intangíveis, ou serviços que se baseiam em modalidades diversas, geralmente associados à hospedagem, alimentação, deslocação e animação. No entanto, se avaliarmos com atenção, nenhum desses serviços é responsável, sozinho ou combinado, pela geração de anseio e desejo em si de visitar um destino.
Uma outra característica do setor é que ele não consegue sobreviver à automação. Mesmo que discutamos soluções tecnológicas para colmatar falhas do setor, nenhuma delas isenta a participação humana do processo. O ser humano, ainda bem, é indispensável ao setor. Não só como prestador de serviço, mas sobretudo como criador e criatura do território. E isso explica o porquê do Huis Ten Bosch, o primeiro hotel automatizado do mundo, no Japão, ter se tornado em caso de fiasco.
Partindo desse ponto, apesar do setor ser economicamente dependente de grandes empresas para acontecer, é ironicamente dependente da estruturação territorial em uma escala tão sutil e micro, quanto complexa. Não há maior resultado econômico que exclua soluções sociais, ou o cuidado constante com aquele espaço onde ocorre a atividade.
A revolução do turismo passa pelo cuidado com o ser humano na mesma medida em que cuidamos do planeta e preservamos a cultura, o patrimônio, as vocações econômicas, as sutilezas de uma economia baseada e dependente da floresta em pé e do humano saudável.
Aqui entra o turismo regenerativo como instrumento de transformação social e econômica. Como um integrador, um amalgamador de expertises, de interesses, de temas e de atividades territoriais. Ao longo da minha jornada no setor, percebi como o turismo ainda está desintegrado de muitas cadeias produtivas e temas de grande relevância para o país. E isso precisa fazer parte de um diálogo permanente e integrador, que viabilize o setor a prosperar ajudando aqueles que mais precisam garantir o seu sustento com uma atividade de alto valor agregado, que envolva educação, valorização cultural e proteção do meio ambiente.
*Especialista em turismo regenerativo, com viés cultural e desenvolvimento territorial, jornalista, trabalha há 20 anos no setor de hospitalidade, com formação em Administração Hoteleira pelo Vatel Hotel & Tourism Business School, Pós-graduação em Marketing pela Universidade Católica do Porto e Mestrado em Turismo pela Universidade do Porto. Foi Diretora de Planejamento e Projetos da Setur-RJ. Foi Diretora Executiva do Vale do Café Convention & Visitors Bureau e Assessora de Governança do Instituto de Desenvolvimento e Gestão. É co-fundadora e presidente do Instituto Aupaba.